Presidente da República quer saber “qual a estratégia do Governo” para os sem-abrigo
Marcelo Rebelo de Sousa diz que o inquérito de caracterização das pessoas sem abrigo está por divulgar. E avisa que “é muito difícil arrancar um novo mandato autárquico sem isto estar clarificado”.
Há 13.128 pessoas em situação de sem abrigo em Portugal, e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quer conhecer o "retrato" destas pessoas: "onde estão e em que condições estão", se são portugueses ou migrantes, e "qual é a estratégia do Governo" para esta realidade. "O inquérito de caracterização das pessoas em situação de sem abrigo está por divulgar", alertou o chefe de Estado no podcast Expresso da Manhã, recordando ao executivo de Luís Montenegro que "ficou de apresentar a estratégia". Além disso, aproximam-se as autárquicas e "é muito difícil arrancar um novo mandato autárquico sem isto estar clarificado".
O Presidente da República mantém, assim, a pressão sobre o tema. Em Outubro do ano passado, antes da queda do Governo anterior, Marcelo Rebelo de Sousa pedia "novos modelos de acção" e apontava para 2026 a meta para a redução "drástica" de pessoas nesta condição. Ao indicar uma data além do prazo previsto para a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem Abrigo (ENIPSSA), que terminava no final desse ano, o chefe de Estado quis exercer pressão para que fosse lançada uma nova estratégia em 2024.
O número mais recente (13.128 sem-abrigo), referente a 2023, foi divulgado pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, e representa um aumento de quase 23% face a 2022, quando se registavam 10.700 pessoas nesta condição. "Sabemos que estão, sobretudo, em Lisboa e Porto – só aí, qualquer coisa como sete mil ou mais, quer dizer que tudo o resto é realmente muito menos significativo –, mas, verdadeiramente, não sabemos se têm ou não emprego. Conheço vários exemplos de terem emprego. Quando visitei a Gare do Oriente [em Lisboa], alguns dormem ali mas trabalham ao lado, no centro comercial", afirma o Presidente da República.
"Precisávamos de ter o retrato [dos sem-abrigo] e precisávamos de saber qual é a estratégia do Governo", desafia o chefe de Estado. A última caracterização de pessoas em situação de sem abrigo foi conhecida no final de Dezembro de 2022, no âmbito da ENIPSSA, levada a cabo entre 2017 e 2023.
"A estratégia aprovada no final de Março, do Governo anterior, era uma estratégia de distanciamento progressivo do Estado em relação ao problema, atirando-o para as autarquias locais. Provavelmente, esta tendência vai continuar, nomeadamente no domínio da habitação. Só que, no domínio da habitação, o Estado tem hoje um instrumento, que é o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que é um instrumento importante, que é um instrumento financeiro. Quem vai depois construir, quem vai tomar as decisões são as autarquias, por isso, é fundamental que as autarquias tenham planos municipais para as pessoas em situação de sem abrigo", considerou Marcelo Rebelo de Sousa, dando o exemplo de Lisboa, que está a implementar um plano municipal.
Considerando o problema da habitação como "talvez o mais importante" para resolver este problema, para o Presidente da República, "a estratégia [para a integração de pessoas em situação de sem abrigo] tem de ser nacional, embora a execução tenha de ser, obviamente, de componente dominante local". "Faz sentido é que haja, de uma forma muito clara, um plano que diga até onde é que há financiamento da parte do Estado, agora que há fundos específicos durante um período limitado, e depois como é que é utilizado pelas autarquias", observa o chefe de Estado, indicando o housing first e os apartamentos partilhados como "dois sistemas fundamentais de habitação" que foram utilizados, mas apelando a soluções mais duradouras.
"Depois, há a construção, mas cobre vários sectores da população", reconhece. "Portanto, há aqui um leque muito grande em que saber o que da estratégia nacional passa para nível local e o que é efectivamente construído a nível local, é fundamental", resume Marcelo Rebelo de Sousa, sublinhando que as autarquias não têm todas as mesmas condições para avançar com estes projectos.
Próximo ano "vai ser decisivo"
Para o Presidente da República, "este ano que vem vai ser decisivo". "Primeiro, porque há um novo Governo, e o Governo ficou de apresentar a estratégia. Segundo, porque há eleições autárquicas. Portanto, o que os actuais autarcas quiserem fazer, têm menos de um ano para fazer, e é fundamental que um dos pontos de debate nas eleições autárquicas seja como é que vai ser a habitação, e dentro da habitação como é que vão ser os sem-abrigo, os que não estão sem-abrigo mas estão sem um tecto mínimo ou quase mínimo – acontece com nacionais e migrantes –, onde é que eles estão, em que condições é que estão. É muito difícil arrancar um novo mandato autárquico sem [isso] ficar clarificado", alerta Marcelo Rebelo de Sousa.
O chefe de Estado vê o tema das pessoas em situação de sem abrigo como um necessário tema de campanha eleitoral nas próximas eleições autárquicas, considerando também "importante perceber que, se este aumento ocorre outra vez de 2023 para 2024, em Lisboa e Porto, de 20% anual, então é uma questão que não pode ser tratada com indiferença pelas populações das áreas metropolitanas e pelos governantes, quer nacionais quer autárquicos".
Marcelo Rebelo de Sousa não tem dúvidas: "Nos 50 anos de Abril, o ponto onde falhámos foi, realmente, em matéria de pobreza."