A gripe das aves pode estar a uma mutação de se transmitir entre humanos

Novo estudo publicado na revista Science reforça os avisos sobre o risco pandémico da gripe das aves. Pequena mutação no vírus será suficiente para tornar a transmissão entre humanos possível.

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A gripe das aves já infectou 58 pessoas este ano só nos Estados Unidos AFOLABI SOTUNDE/REUTERS
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Bastará uma única mutação na variante do vírus da gripe das aves (o subtipo H5N1) que tem infectado vacas nos Estados Unidos para que a transmissão entre humanos seja mais fácil. Ou seja, uma simples alteração numa pequena proteína deste vírus poderá tornar o vírus mais predisposto a fixar-se nas células humanas e, com isso, fortalecer uma potencial transmissão de humanos para humanos – algo que para já ainda não aconteceu.

Até esta sexta-feira, não existem casos documentados de um humano que tenha transmitido gripe das aves a outro humano. A investigação conduzida por uma equipa do Instituto de Investigação Scripps (Estados Unidos), e publicada na revista Science, identifica uma mutação na hemaglutinina do vírus (o H em H5N1) que seria suficiente para alterar as características do vírus e facilitar a sua fixação nas células humanas.

“Na natureza, a ocorrência desta única mutação pode ser um indicador de risco pandémico entre humanos”, sublinha Carolina Ash, editora da Science, numa nota adjacente ao artigo publicado esta quinta-feira. Os investigadores provaram esta possibilidade ao testarem as mutações em células humanas no laboratório, de forma a antecipar a plausibilidade de uma pandemia futura.

Apesar deste indicador preocupar e mostrar que a hipótese de o vírus desenvolver esta capacidade está mais próxima do que se presumia, não há nenhuma indicação de que o vírus se está a desenvolver nesse sentido. “O nosso estudo não sugere que esta evolução tenha acontecido ou que o vírus H5N1 actual seria transmissível entre humanos apenas com esta mutação”, explica Ting-Hui Lin, co-autor do estudo ao jornal espanhol El País. Porquê? Embora esta alteração possa facilitar a fixação do vírus nos humanos, serão necessárias outras mutações para que este mesmo vírus seja mais transmissível – por exemplo, sendo propagado por via aérea, através das gotículas respiratórias como na covid-19.

Ou seja, para que o potencial pandémico se concretize, serão necessárias mais mutações do próprio vírus da gripe das aves. No entanto, se for mais fácil atingir os humanos, o vírus também poderá evoluir mais rapidamente, uma vez que as mutações ocorrem espontaneamente à medida que o vírus se vai replicando nas células.

Ao PÚBLICO, Rute Pinto, investigadora portuguesa do Instituto Roslin da Universidade de Edimburgo (Reino Unido), sublinhava na semana passada que “o risco pandémico é real”. A disseminação sem precedentes entre aves selvagens e os saltos deste vírus para mamíferos e até para humanos mostram esse risco. A detecção de três casos de gripe das aves em humanos sem qualquer contacto com quintas ou animais infectados (dois nos Estados Unidos e um no Canadá) reforça as preocupações. Nos Estados Unidos já foram detectados 58 casos em humanos, só este ano.

Elisa Pérez Ramírez, do Centro de Investigação em Saúde Animal (Espanha), notava também ao PÚBLICO que, embora ainda não estejamos a caminho de uma nova pandemia, há sinais a que devemos estar atentos. “A presença de mutações nestes vírus que estão associadas a uma maior adaptação aos mamíferos aumenta esta preocupação, pois faz subir as hipóteses de o vírus adquirir a combinação exacta de mutações necessárias não só para saltar de animais para humanos, mas também para sustentar a transmissão de humanos para humano. Este desenvolvimento aumentaria significativamente o risco de uma pandemia”, referia a investigadora espanhola.

Em suma, a preocupação actual levantada pelo trabalho publicado na Science é sobretudo teórica. Mas importa não descartar a capacidade de evolução do vírus e tentar conter o mesmo, especialmente num momento em que tem infectado vacas nos Estados Unidos e também porcos – mamíferos com tractos respiratórios similares aos dos humanos. Por exemplo, o consumo de leite cru nos Estados Unidos e a escassa testagem de animais e dos próprios tanques de leite podem fomentar a disseminação do vírus entre a população. Até porque, quanto mais tempo um vírus circula entre mamíferos, melhor é a adaptação a esses mesmos animais. Nos humanos, não é diferente.

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