O primeiro dia sem gelo no Árctico? Pode ser já em 2027, mostra estudo

Será necessária uma sequência de eventos: calor no Inverno e na Primavera, e, depois, uma tempestade de Verão. Mas o gelo do Árctico poderá derreter praticamente todo já nos próximos anos, diz estudo.

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A área do gelo do Árctico tem diminuído em 12% a cada década GREENPEACE/REUTERS
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Pode ser já em 2027 que o gelo marinho do Árctico se derreta praticamente todo, pelo menos durante um dia. E esse acontecimento já não dependerá das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera ou de outros factores externos, estará apenas dependente da aleatoriedade dos fenómenos meteorológicos. Estas são as conclusões de um estudo publicado nesta terça-feira, na revista Nature Communications.

“Esta é a primeira previsão de quando é que o Árctico vai ter um dia sem gelo”, explica ao PÚBLICO Céline Heuzé, investigadora da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e primeira autora do artigo, assinado ainda por Alexandra Jahn, da Universidade de Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos. “Os nossos resultados mostram que isto pode acontecer muito mais cedo do que o esperado – quando se pensa no Árctico sem gelo durante um mês, que é o que normalmente fazemos. E que, de facto, é até surpreendente que já não tenha acontecido.”

A cada década que passa, a área de gelo do Árctico tem diminuído em cerca de 12%. Este degelo, associado às condições cada vez mais quentes do planeta devido às emissões humanas dos gases com efeito de estufa, pode alimentar ainda mais esta tendência. Uma área de gelo mais pequena significa que há mais luz solar a penetrar as águas do Pólo Norte, aquecendo-as e dificultando ainda mais a produção de gelo. Um Árctico sem gelo poderá ainda ter impacto na meteorologia do hemisfério Norte e alterar os ecossistemas daquela região, com impactos negativos para espécies como o urso-polar.

Considera-se um Árctico sem gelo quando o gelo atinge uma área abaixo de um milhão de quilómetros quadrados. Como termo de comparação, em 2012, o ano em que a área do gelo ficou mais pequena desde que há registo, restavam ainda quase 3,4 milhões de quilómetros quadrados de gelo. Nas últimas décadas, há vários estudos que lançam estimativas, a partir da análise de modelos climáticos, para quando é que o Árctico vai ficar sem gelo. Um estudo recente mostrava que já há condições para que, algures durante a década de 2030, o Árctico se mantenha sem gelo durante o mês de Setembro.

Desta vez, as cientistas foram à procura de quando é que o Árctico atinge aquele limite durante apenas um dia. “Como o primeiro dia sem gelo deverá acontecer antes do primeiro mês sem gelo, queremos estar preparadas [para isso]. É também importante saber quais são os eventos que levam ao derretimento de todo o gelo do oceano Árctico”, adianta Céline Heuzé, citada num comunicado da Universidade do Colorado.

Um gelo “pronto”

Para isso, as investigadoras usaram os modelos climáticos mais recentes a que o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês) recorre. Tendo em conta a área de gelo marinha mínima do Árctico do ano de 2023, o duo foi olhar para quando é que ocorria o primeiro dia sem gelo. A maioria das simulações previu que esse evento ocorreria entre nove e 20 anos após 2023. Mas, em nove casos, esse evento poderá ocorrer entre três e seis anos. Ou seja, entre 2027 e 2030.

Como é que isso pode acontecer tão rapidamente? “O que mostramos é que o gelo marinho está ‘pronto’ para se partir em bocados”, explica-nos Céline Heuzé. As investigadoras perceberam que a rapidez desse fenómeno irá depender de certos eventos ocorrerem ao longo do ano numa sequência.

Partindo de uma área de gelo marinha pequena, como a que existiu em 2023, é preciso que haja um Outono quente que enfraqueça o gelo. Depois, tanto o Inverno como a Primavera terão de ser mais quentes, de modo a prevenirem a formação de mais gelo. Finalmente, faltará haver uma grande tempestade de Verão que quebre por completo o gelo que já se encontrava numa situação frágil. “O primeiro dia sem gelo já não depende das alterações climáticas, mas de fenómenos meteorológicos semialeatórios. Mostramos até que esses fenómenos já ocorreram antes, apenas não aconteceram na ordem correcta”, adianta Céline Heuzé.

É esta sequência que poderá ocorrer já, na pior das hipóteses, em 2027. “O primeiro dia em que o Árctico ficar sem gelo não vai alterar as coisas de uma forma dramática” a nível do clima, explica Alexandra Jahn, citada no mesmo comunicado. “Mas vai mostrar fundamentalmente que, através das emissões de gases com efeito de estufa, mudámos uma das características definidoras do ambiente natural do oceano Árctico.” Ou, como nos diz Céline Heuzé: “Esse primeiro dia de um ‘Árctico azul’ vai ser sobretudo um símbolo. Vai tornar as alterações climáticas visíveis.”

Mas esse evento não deve provocar o baixar braços das sociedades em relação à luta contra as alterações climáticas, adianta Céline Heuzé. “O que interessa realmente é que se reduza as nossas emissões, diminuindo ou até revertendo as alterações climáticas, para evitar que os eventos extremos se tornem ainda mais prováveis”, remata.