Doentes vão pedir ao Estado que comparticipe medicamentos com cannabis
O Observatório Português de Canábis Medicinal está a fazer um inventário do número de pessoas que poderia beneficiar do alargamento da oferta de produtos feitos à base de canabinóides.
O Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM) vai pedir ao Estado a comparticipação dos medicamentos que contêm canabinóides. Esta associação de doentes e de familiares está a fazer um inventário do número de pessoas que poderia beneficiar do alargamento da oferta de produtos feitos à base de cannabis, por entender que o acesso a estes medicamentos é um factor de equidade e de segurança e que a sua inacessibilidade empurra o doente para o mercado ilegal.
“Queremos mais preparações, queremos mais vias de administração e para as várias tipologias”, diz Carla Dias, presidente daquele observatório, que considera que os produtos que existem no mercado (medicamentos, substâncias e preparações) são insuficientes.
Esta associação foi criada em 2019, para ajudar os doentes, fazer pressão sobre o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde) — ao qual será entregue o pedido de comparticipação —, para acelerar os processos de aprovação de novos produtos, e estabelecer a ligação com as empresas deste sector, explica Carla Dias.
Uma das tarefas mais importantes do OPCM consiste em prestar auxílio a doentes que não conseguem aceder a estes tratamentos. O facto de este observatório dispor de uma rede de médicos por todo o país, que compõem o seu conselho científico, aumenta a sua capacidade de resposta e alarga a oferta e o conhecimento.
Neste momento, em Portugal, estão disponíveis 11 produtos com canabinóides, que não são indicados para certas patologias, quer seja pelas suas características, quer seja pela sua via de administração.
“A cannabis medicinal não é um grupo homogéneo de produtos, mas sim um grupo vasto e complexo de substâncias que variam significativamente nas suas composições, características e potenciais práticas de administração”, escrevem Bem Senator, Mafalda Pardal e Liesbeth Vandam em Evidence synthesis of medical cannabis research: current challenges and opportunities, um artigo científico publicado em Agosto passado.
Os autores concluem que “a eficácia e a segurança dos tratamentos com cannabis medicinal variam em função do seu tipo, composição de canabinóides, potência ou dose, via de administração, frequência ou duração da administração”.
Tinturas de cannabis começaram a ser utilizadas, no século XIX, na Grã-Bretanha e nos EUA, para aliviar dores e náuseas. A sua utilização médica diminuiu com o desenvolvimento dos medicamentos no início do século seguinte, administrados em doses normalizadas por via oral ou injectável, em substituição dos extratos da planta, que variavam em qualidade e conteúdo.
Como se refere em Medical use of cannabis and cannabinoids – Questions and answers for policymaking, de Dezembro de 2018, uma publicação da Agência da União Europeia sobre Drogas (EUDA), o uso médico da planta foi interdito, após a inclusão da cannabis na Convenção Única sobre Estupefacientes, em 1961, como uma droga sem fins medicinais.
O interesse medicinal foi recuperado, na década de 70, coincidindo com o uso recreativo crescente entre os jovens dos EUA, a par do consumo de substâncias psicadélicas. A proibição de ambas ditou o fim da investigação científica com este tipo de substâncias alteradoras do estado de consciência.
Mais recentemente, já nos anos 90, o seu potencial foi reavivado, com base no argumento de que os canabinóides poderiam ser utilizados para tratar a dor crónica e doenças neurológicas como a esclerose múltipla e a epilepsia.