Pequeno partido de esquerda obriga Noruega a suspender mineração no mar Árctico
Em troca do apoio para aprovar Orçamento do Estado, partido exigiu travar mineração no mar profundo. No entanto, as eleições em Setembro de 2025 podem reavivar os planos noruegueses.
Um pequeno partido de esquerda e ambientalista norueguês conseguiu bloquear os planos do Governo para lançar a exploração mineira do fundo do mar no Árctico, exigindo que o executivo anulasse a primeira ronda de licenciamento, prevista já para 2025, em troca do seu apoio no Parlamento para aprovar o Orçamento do Estado.
“Estamos a interromper os planos de abertura da mineração no mar profundo”, confirmou Kirsti Bergstoe, líder do partido Socialista de Esquerda (SV, na sigla em norueguês), que está fora da coligação governamental, mas apoia o Governo minoritário, liderado pelo Partido Trabalhista.
As primeiras licenças de exploração mineira em mar profundo no Árctico deviam ser concedidas durante o primeiro semestre de 2025, com o objectivo de emitir as primeiras autorizações de exploração até ao final do ano, lembra a Reuters. O Governo refere que, embora o plano tenha sido suspenso, os trabalhos preparatórios para a abertura de 386 blocos no fundo do mar continuarão, incluindo a criação de regulamentos e o mapeamento do impacto ambiental.
“Isto será apenas um adiamento”, disse o primeiro-ministro Jonas Gahr Stoere, do Partido Trabalhista, à estação de televisão privada TV2.
A Noruega, cujas vastas reservas de hidrocarbonetos a tornaram um dos países mais ricos do mundo, avançou na corrida global para explorar o fundo do oceano em busca de metais muito procurados para as tecnologias de transição energética, como as baterias eléctricas que permitem abandonar os combustíveis fósseis. O Governo, e o Parlamento, aprovaram os planos de exploração mineira nos fundos oceânicos na extensão da plataforma continental norueguesa no início de 2024.
Países discutem se proibir ou autorizar
A nível internacional há um intenso debate, mesmo uma batalha, entre os países que consideram que a mineração no mar profundo não deve ser autorizada e os que querem avançar. A batalha trava-se na agência das Nações Unidas que tem a dupla responsabilidade de preservar os ecossistemas do fundo dos oceanos e, ao mesmo tempo, criar as regras para a exploração dos minerais raros que lá existem, a Autoridade dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês).
Uma coligação de 32 países, incluindo Alemanha, França, Canadá e Brasil, opõe-se ao início da exploração mineira em mar profundo, defendendo uma moratória, pelo menos enquanto não soubermos mais sobre os efeitos que isso terá sobre o ambiente e ecossistemas raros e de que pouco se sabe ainda, como os que existem em torno dos campos de fontes hidrotermais. Outros países, como a Polónia, ou a China, estão entre os que gostariam de avançar.
Este golpe de teatro na Noruega surge no momento em que se iniciou em Oslo o julgamento do processo movimento pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês) contra o país, por causa desta decisão.
“A avaliação de impacto ambiental é tão fraca que atinge a ilegalidade”, afirmou Karoline Andaur, secretária-geral da WWF Noruega, citada num comunicado que assinala a abertura do julgamento, a 28 de Novembro.
“Esta controversa decisão do Governo norueguês pode ter um grande impacto negativo nas negociações sobre a mineração em mar profundo em águas internacionais e, no pior dos cenários, contribuir para que outros países abram as suas águas à mineração também – sem que tenhamos os conhecimentos necessários sobre os impactos desta actividade”, prosseguiu Andaur. “Não podemos permitir tamanho grau de negligência com os nossos oceanos – e com o nosso planeta.”
Para quem se opõe à mineração em mar profundo, temeroso do impacto sobre os ecossistemas e os serviços que os oceanos cumprem – por exemplo, absorver grande parte do dióxido de carbono em excesso na atmosfera, que provoca as alterações climáticas – o sucesso deste partido em travar a exploração é uma vitória. “Deverá ser o prego no caixão para a indústria destrutiva", disse à Reuters Frode Pleym, responsável da Greenpeace Noruega.
“O oceano Árctico é uma das últimas fronteiras intocadas na Terra, e os seus ecossistemas frágeis já estão sob um stress significativo, por causa da crise climática. Submeter estas águas à prática desnecessária e destrutiva da mineração no fundo do mar seria uma grave ameaça, não só para a vida marinha como para toda a comunidade global”, afirmou Steve Trent, fundador da Fundação para a Justiça Ambiental, uma organização britânica.
Eleições podem reverter bloqueio
Mas se esta é “uma vitória monumental para o oceano”, como diz Trent, é preciso também estar consciente de que não é definitiva. “O processo de licenciamento só ficou bloqueado até 2026. Temos de trabalhar em conjunto para garantir que esta decisão se torne permanente”, apelou.
É já em Setembro que há eleições na Noruega e os dois partidos da oposição que lideram as sondagens, os Conservadores e o Partido do Progresso, são a favor da mineração em águas profundas, salienta a Reuters. As estimativas preliminares de recursos oficiais mostraram acumulações “substanciais” de metais e minerais, desde cobre a elementos de terras raras, disse o actual Governo, em 2023.
Tanto assim é que uma das três empresas norueguesas interessadas em candidatar-se à exploração mineira do fundo do oceano Árctico, a Green Minerals, com sede em Oslo, deu a indicação de que não espera que isto seja mais do que uma alteração temporária. “A empresa não altera o seu calendário previsto de primeira extracção, que ainda se espera que ocorra no fim da década de 2020”, disse a Green Minerals, numa declaração citada pela Reuters.
Apesar disso, as acções da Green Minerals caíram 40% nesta segunda-feira, depois de se conhecer o desfecho político que levou à suspensão do processo da mineração em mar profundo.