Saúde e clima: há que tornar “a cidade inteira num refúgio climático”

Em Coimbra, na Cidade Azul, conferência do PÚBLICO sobre ambiente e cidade, discutiram-se os refúgios climáticos, a poluição e o urbanismo: “Os problemas são realidades transversais.”

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Os refúgios climáticos foram discutidos no primeiro painel Tiago Bernardo Lopes
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A adaptação urbana às alterações climáticas pode tornar as cidades, como um todo, em refúgios climáticos. Para isso, é necessário ir além da construção de refúgios e pensar em todas as necessidades dos residentes e dos turistas das cidades, cada vez mais submetidas a fenómenos extremos, 24 horas por dia. Esta foi uma das ideias fortes da Cidade Azul, a conferência anual organizada pelo PÚBLICO, que aproxima as questões ambientais ao dia-a-dia das cidades. Decorreu nesta quarta-feira em Coimbra, com o tema Clima e Saúde e o apoio da Câmara Municipal e da Universidade de Coimbra.

“A adaptação climática é complexa, é um processo político e os refúgios climáticos são apenas uma peça de puzzle — eles são recursos de urgência”, adiantou Ana Terra Amorim-Maia, investigadora do Centro Basco para as Alterações Climáticas, em Espanha, que integrou o primeiro painel do dia, sobre Refúgios Climáticos, os locais da cidade especialmente pensados para situações climáticas extremas, como as ondas de calor, onde as pessoas podem refugiar-se. Por exemplo: jardins, bibliotecas, museus e, até, supermercados.

Para a investigadora, é preciso olhar para vários aspectos da cidade em termos de adaptação climática, desde a eficiência energética na habitação, até ao problema da impermeabilização dos solos, “para que a cidade inteira possa funcionar como um refúgio climático”. Ana Terra Amorim-Maia defende a valorização do conhecimento das pessoas locais e a importância de ouvir as comunidades periféricas na construção de novos refúgios climáticos.

Os jardins são um exemplo de lugares inclusivos e democráticos que são bons refúgios climáticos, onda a temperatura é mais baixa mesmo durante as ondas de calor, exemplificou António Carmo Gouveia, ecólogo do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra. Para o investigador, a academia pode ter um papel importante na integração das comunidades com menos acesso a estes espaços. “Os problemas de inclusão também são problemas de literacia, de ter acesso ao conhecimento e às tomadas de decisão. Os espaços da universidade são fundamentais como espaços de mediação de conhecimento”, defendeu.

Já Hélder Lopes, geógrafo e investigador da Universidade do Minho, que também participou no primeiro painel, recordou a importância de um pensamento abrangente quando se projecta estes refúgios. “Temos que pensar nos refúgios como uma solução não conjuntural, mas estrutural”, referiu. “Não adianta criar soluções pontuais, que não têm repercussões à escala da cidade.”

A necessidade de uma visão holística em relação à adaptação climática foi transversal ao longo da manhã. Luís Campos, médico e presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente, e orador principal da conferência, não se centrou apenas no universo da saúde. “Temos que produzir normas de boas práticas de sustentabilidade ambiental em todos os sectores”, defendeu durante uma entrevista ao P24. “Acho que o ambiente devia estar em todas as políticas e instituições.”

Realidade em mudança

No segundo painel, sobre Urbanismo e alterações climáticas, Anabela Ribeiro, directora da licenciatura em Gestão de Cidades Sustentáveis e Inteligentes da Universidade de Coimbra, lembrava que a cidade era um organismo complexo, com um “sistema circulatório, respiratório”, que também adoecia. Além disso, a história das cidades influencia os desafios actuais de mobilidade.​

“As cidades portuguesas evoluíram de uma forma dispersa no território, a partir do momento que o carro se tornou acessível. A nossa dependência do automóvel passou a ser muito grande”, explicou a investigadora, que não defende a abolição do automóvel, mas sim integrar as diferentes necessidades de mobilidade — do espaço pedonal, às ciclovias, passando pelos transportes públicos.

Olhando também a partir dos problemas da cidade, João Pedro Costa, arquitecto e professor catedrático da Universidade de Lisboa na área do urbanismo, chamou a atenção para a importância de uma realidade que está em mudança, seja devido às alterações climáticas, das novas tecnologias ou até mesmo de uma guerra. “O urbanismo é uma disciplina de síntese, mas a realidade não é estável”, disse.

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Luís Campos, presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente, entrevistado do P24 Tiago Bernardo Lopes

“Podemos ter a formação que escolhemos, mas no fim do dia os problemas não têm disciplinas, são realidades transversais”, sublinhou. E, dirigindo-se aos jovens que estavam na plateia, alertou: “Vocês devem ser pessoas do mundo, qualquer acção que tomem tem múltiplas perspectivas e devem responder a essas múltiplas perspectivas.”

Substâncias invisíveis

No arranque da conferência, David Pontes, director do PÚBLICO, explicava que era necessário pensar “a nossa casa, o nosso corpo, o que é próximo e comum, e também está em risco” com as alterações climáticas. Basta ver as inundações ocorridas em Valência, em Espanha, uma catástrofe recordada mais de uma vez ao longo da manhã. Daí a importância da escolha do tema Clima e Saúde.

Mas não são apenas os grandes fenómenos que são fonte de risco para as pessoas, também a exposição continua a substâncias invisíveis é um perigo. Nesse contexto, o terceiro painel foi dedicado a poluentes perigosos para a saúde, que permeiam o ambiente, como os microplásticos e as substâncias perfluoroalquiladas (PFAS). É praticamente impossível evitá-los. As PFAS, por exemplo, existem em muitos objectos que usamos e não se degradam no ambiente.

“Nestas situações onde temos uma identificação tão clara do risco que estas substâncias têm para a saúde e para o ambiente, não podemos poluir”, explicou Susana Fonseca, vice-presidente da organização ambientalista Zero, sobre as PFAS. Para a ambientalista, a equação do poluidor-pagador, em que as empresas que poluem devem pagar pela poluição que fazem, não serve para estes casos, já que é muito difícil remover as PFAS do ambiente.

Sobre os microplásticos, o grande problema parece ser as pequenas moléculas poluentes e nefastas que eles carregam, explica Paula Sobral, investigadora do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente. Os microplásticos “são vectores de todos estes químicos e podem entrar no corpo humano”, referiu.

Por estes dias, em Busan, na Coreia do Sul, realiza-se a quinta ronda de negociações das Nações Unidas, com o objectivo de redigir um tratado internacional para travar a poluição por plásticos. Paula Sobral não tem muita esperança sobre os resultados desta reunião. “A indústria do plástico tem feito um lóbi fortíssimo”, diz, acrescentando que estes lóbis tentam adiar a limitação da produção de plástico. “Enquanto esse tempo decorre, os problemas agravam-se cada vez mais.”