Os derrotados de Abril a ajustar contas com a história
Não consigo deixar de me revoltar e de me indignar uma vez mais, apesar de não me surpreender, com as motivações dos que aprovaram estas comemorações.
Aquilo a que assistimos na Assembleia da República com a sessão solene de celebração dos 49 anos do 25 de Novembro de 1975 é, tão só, um atentado à memória dos que fizeram a Revolução e uma menorização da data fundadora da nossa democracia, o 25 de Abril de 1974, promovido por uma direita que nunca perdoou o fim da ditadura e que anda há 50 anos a tentar ajustar contas com a história.
Neste tempo de revisionismos, e apenas por uma questão de rigor e seriedade intelectual, reponhamos a verdade histórica dos factos. Mário Soares, o fundador do Partido Socialista, é, no plano político e civil, o grande vencedor do 25 de Novembro. Com ele, na galeria dos que nos mantiveram no caminho da liberdade e da democracia contra os saudosistas do Estado Novo, liderados por António de Spínola e Kaúlza de Arriaga, figuram personalidades como o então Presidente da República, Costa Gomes, o então comandante militar da Região de Lisboa, Vasco Lourenço, o seu adjunto de então, Ramalho Eanes, e também aquele que foi um dos seus operacionais, Jaime Neves, e ainda um dos mais sensatos, lúcidos, desprendidos e corajosos militares deste país, Ernesto Melo Antunes. Sim, estes homens, a que junto o Grupo dos Nove, têm, os que estão vivos, e teriam vergonha do que se passou no Parlamento e dos discursos abjetos de normalização da ditadura salazarista e salazarenta.
O seu objetivo foi evitar a guerra civil em 1975, impedindo derivas totalitárias e sectárias que ameaçavam a matriz de Abril. Mas foi também uma missão bem-sucedida de travar os reacionários que, com indisfarçável revanchismo histórico, quiseram erradicar da democracia o PCP e outros partidos à esquerda do PS – pretensão recusada, reiterada e corajosamente, por Melo Antunes e Mário Soares –, que assim pretendiam o regresso ao espírito da ditadura, e, desta forma, consagraram em definitivo a nossa democracia pluralista.
Ignorar isto ou elaborar em revisionismos históricos é, de facto, apoucar e diminuir Abril. Os 50 anos do 25 de Novembro, quando chegarem, podem e devem ser celebrados no seu tempo histórico, mas nunca, em circunstância alguma, conferindo a essa data o mesmo estatuto, simbólico e político, das sessões solenes regulares na Assembleia da República.
Mas o pior, foi ouvir a direita antidemocrática e extremista, à qual o atual PSD infelizmente cedeu – adulterando inclusive o sentido das palavras de Sophia, como ouvimos da boca do deputado Miguel Guimarães –, fazer apelos a que haja memória, invocando sistematicamente o cerco do Congresso do CDS no Palácio de Cristal ou os que perderam a vida por “ação das bombas de movimentos radicais de esquerda”. Pois é, não fosse a desonestidade intelectual e a vontade de vingança histórica e jamais esconderiam e normalizariam os assassinatos cometidos pelos terroristas do MDLP ou os ataques à bomba às sedes do PCP e da UDP.
Enfim, é por tudo isto, e depois de ouvir algumas intervenções parlamentares, que não consigo deixar de me revoltar e de me indignar uma vez mais, apesar de não me surpreender, com as motivações dos que aprovaram estas comemorações.
Termino como comecei. A data fundadora da nossa democracia e da nossa liberdade é o 25 de Abril de 1974. O 25 de Novembro deve ser assinalado como uma das datas relevantes do nosso processo revolucionário, mas nunca com este espírito revisionista e de adulteração da história. Os que o fazem hoje são os derrotados de Abril. E a esses, a única coisa que não podemos nunca deixar de dizer, é 25 de Abril Sempre, Fascismo Nunca Mais!