Ninguém ficou contente com o resultado da COP29. O que se diz sobre o acordo alcançado?

A cimeira do clima chegou ao fim com mais de 30 horas de atraso, mas o final não agradou a muitos países, que se queixam de falta de ambição. “Este documento não é mais do que uma ilusão de óptica.”

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Logo a seguir ao acordo de financiamento, várias foram as contestações por parte de países como a Índia, Bolívia e Cuba. Na imagem, um cartaz de protesto em Bacu de Harjeet Singh, do movimento por um Tratado sobre Combustíveis Fósseis Maxim Shemetov / REUTERS
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A cimeira do clima COP29, realizada em Bacu, no Azerbaijão, acabou na madrugada de domingo com mais de 30 horas de atraso em relação ao planeado e resultou na adopção de um objectivo financeiro global de 300 mil milhões de dólares por ano, a ser atingido até 2035, para ajudar os países em desenvolvimento na chamada acção climática. Um acordo que não agradou a praticamente ninguém, em particular aos seus principais destinatários: os países mais pobres do mundo criticam o acordo como lamentavelmente insuficiente, além de acusarem a presidência da COP29 de ter subvertido as regras do plenário ao não dar lugar a objecções antes de bater o martelo que marca a adopção do documento.

“Lamento dizer que este documento não é mais do que uma ilusão de óptica”, afirmou a representante da delegação indiana, Chandni Raina, na sessão de encerramento da cimeira, minutos depois de o acordo ter sido aprovado. “Na nossa opinião, este documento não vai dar resposta ao enorme desafio que todos enfrentamos. Por isso, opomo-nos à adopção deste documento.”

“Isto não é apenas um fracasso, é uma traição”, reagiu o grupo dos países menos desenvolvidos (LDC, na sigla em inglês), num comunicado enviado logo após a conclusão dos trabalhos. “Saímos de Bacu com orgulho pela nossa resiliência e dor pelas comunidades vulneráveis ignoradas. A luta não pára aqui”, escreveu na rede social X o representante do Malawi nas negociações, Evans Njewa, enquanto porta-voz do grupo de LDC (que, no sábado, chegaram a abandonar uma das salas de negociações). Tina Stege, enviada das ilhas Marshall para as questões climáticas, também lamentou o resultado: “Estamos a sair com uma pequena parte do financiamento de que os países vulneráveis ao clima necessitam urgentemente. Não é suficiente, mas é um começo.”

O acordo disponibilizará 300 mil milhões de dólares por ano até 2035, reforçando o anterior compromisso dos países ricos de disponibilizar 100 mil milhões de dólares por ano em financiamento climático até 2020. Este objectivo anterior foi atingido com dois anos de atraso, em 2022, e expira em 2025. Foi ainda definido um montante de 1,3 biliões de dólares (cerca de 1,25 biliões de euros) que se espera serem “mobilizados”, incluindo investimento privado, mas que será ainda trabalhado no chamado “Roteiro de Bacu a Belém para 1.3T”. Tudo isto fica ainda longe das estimativas dos custos reais que os países em desenvolvimento têm para fazer face aos desafios de adaptação e de transição energética.

Bastidores tensos

O plano original foi sumarizado pela ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva: no Dubai, reconheceu-se no “balanço global” que o mundo estava demasiado longe de cumprir o limite de 1,5 graus Celsius em relação às temperaturas do período pré-industrial; este ano, esperava-se que se conseguisse alinhar o financiamento climático com esse objectivo, garantindo fundos suficientes para todos os países cumprirem essa meta. Com tudo alinhado, os países poderiam chegar à COP30, que se realiza em Belém, no Brasil, no próximo ano, com planos climáticos robustos e suficientemente ambiciosos para “lidar com um dos maiores desafios da humanidade”.

Mas as negociações, como tem sido habitual nas cimeiras do clima, acabaram capturadas pelas manobras de bastidores dominadas pela geopolítica. A cimeira foi ao cerne do debate sobre a responsabilidade financeira dos países industrializados — cuja utilização histórica de combustíveis fósseis está na origem da maior parte das emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global em compensar os outros pelo agravamento dos danos causados pelas alterações climáticas.

Também pôs a nu as divisões entre os governos ricos, limitados por orçamentos internos apertados, e as nações em desenvolvimento, a braços com os custos de fenómenos extremos como tempestades, inundações e secas.

O acordo sobre a mitigação das emissões, por sua vez, falha em definir pormenores sobre como os países devem proceder para alinharem os seus planos climáticos com o compromisso assumido na COP28, no ano passado, de “transição para o abandono dos combustíveis fósseis”, além das promessas de triplicar a capacidade de energia renovável nesta década.

Na imprensa internacional, muitos foram os relatos de negociadores a denunciar que a Arábia Saudita tentou bloquear quaisquer referências a combustíveis fósseis. “Há definitivamente um desafio em conseguir uma maior ambição quando se está a negociar com os sauditas”, afirmou o conselheiro climático dos EUA, John Podesta, citado pela Reuters.

“Circunstâncias complexas”

“As negociações foram muito desafiantes, com posições divergentes entre os países presentes na COP29. A União Europeia desempenhou um papel de liderança neste processo, contribuindo para um resultado positivo”, afirma a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, num comunicado enviado este domingo.

Segundo Graça Carvalho, “Portugal e a UE tinham como grande objectivo aumentar o valor de financiamento global, assim como ampliar a base de doadores para o financiamento climático, para que mais países possam contribuir para este esforço global”.

“Apesar das circunstâncias complexas” em que decorreram as negociações, o executivo acredita que foi conseguido um “importante consenso” quanto ao aumento do financiamento climático para 300 mil milhões de dólares anuais até 2025, triplicando a meta actual definida em 2009 — numa conferência que, contudo, foi considerada um dos grandes falhanços na história das COP e não resultou sequer num acordo final por consenso.

A nova meta, refere o Governo, será “alimentada por fontes de financiamento públicas e privadas, bem como através de fontes inovadoras de financiamento, tais como conversões de dívida em investimento climático, instrumento que está a ser utilizado com Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e que Portugal pretende reforçar no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa”.

A associação Zero, contudo, já veio alertar que o montante total anual com o qual Portugal se comprometeu, de “9 milhões de euros por ano, é insignificante”. O país anunciou em 2023 uma contribuição de 5 milhões de euros para o Fundo de Perdas e Danos, destinado a apoiar os países em desenvolvimento mais vulneráveis aos impactos das alterações climáticas, e 4 milhões para o Fundo Climático Verde, descreve a Zero.

“Tendo em conta que a ordem de grandeza do financiamento por parte dos países desenvolvidos está nas centenas de milhares de milhões”, a Zero considera que o Governo português deve “encetar nos próximos meses uma discussão profunda sobre uma enorme ampliação do seu financiamento”. com agências