Depois de uma primeira tentativa na quinta-feira, criticada por todos, esperava-se que na conferência da Convenção das Alterações Climáticas das Nações Unidas fossem apresentadas propostas que dessem pelo menos a ideia de que o mundo estava a tentar trabalhar em conjunto. Mas a nova versão dos documentos divulgados nesta sexta-feira na COP29, em Bacu, no Azerbaijão, que fala em valores concretos pela primeira vez, conseguiu ainda indispor mais.
É verdade que fala na necessidade de um financiamento anual de 1,3 biliões (à portuguesa, o equivalente aos triliões anglo-saxónicos) de dólares para os países mais vulneráveis às alterações climáticas e também mais pobres se adaptem à mudança do clima e aos seus efeitos e reduzam as emissões de gases com efeito de estufa, que causam o aquecimento global. É o Novo Objectivo Colectivo Quantificado (NCQG, na sigla em inglês) que está em discussão, o quadro de financiamento climático para 2025-2035.
Mas vamos com calma. Esta meta é para alcançar até 2035, e a responsabilidade de a financiar deixa de ser exclusiva dos Estados mais industrializados, que historicamente foram quem atirou para a atmosfera a maior quantidade de gases de estufa. “Esta meta tem de ser alcançada agora e não dentro de dez anos, quando as necessidades serão muito maiores”, afirmou Bill Hare, do grupo Climate Analytics.
No documento desta sexta-feira, as nações mais ricas comprometem-se apenas com um financiamento muito mais reduzido, de 250 mil milhões anuais, que duplica o quadro anterior (cumprido apenas um único ano, em 2022), de canalizar 100 mil milhões de dólares anuais para os países mais vulneráveis reduzirem as suas emissões e adaptarem-se às alterações climáticas.
No entanto, escancaram-se as portas, na esperança de que o dinheiro possa entrar por todos os lados. “Apela-se a todos os actores para trabalharem em conjunto para permitir escalar o financiamento (…) de todas as fontes públicas e privadas”, diz o documento.
Estende-se o tapete vermelho para receber contribuições dos países considerados em desenvolvimento, mas que têm uma riqueza e uma quantidade de emissões de gases de estufa que faz deles gigantes económicos, como a China, a Arábia Saudita, a Índia, numa base voluntária e não obrigatória, “incluindo através da cooperação Sul-Sul”.
Salienta-se ainda que estas contribuições não alterarão de forma alguma o seu estatuto de países em desenvolvimento, reconhecido pela Convenção da ONU das Alterações Climáticas, de 1992.
"Incrivelmente fraco"
Pode parecer uma força esta diversificação de fontes de financiamento, mas não estão garantidas as condições para que assim seja, diz Bill Hare. É um documento “incrivelmente fraco, qualquer tipo de financiamento pode contar para aqui, o que significa que os países desenvolvidos não estão a aceitar as responsabilidades que têm, e a meta só tem de ser cumprida em pleno em 2035, portanto é um tecto, e não um ponto de partida”.
As críticas começaram a chover rapidamente, indicando que haverá ainda muito a negociar. “A nova proposta tem dois pecados mortais: o financiamento público apenas sobe até 250 mil milhões ao fim de dez anos (2035) e deixa de ser exclusivo (apesar de dever ser dominante) dos países desenvolvidos”, comenta Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero, presente em Bacu. “É um montante muito reduzido, e sem responsabilização dos países desenvolvidos, que têm responsabilidade histórica nas emissões”, acrescenta.
Um negociador europeu, no entanto, disse à Reuters que o novo documento era demasiado custoso e não expandia o suficiente o número de países que poderiam contribuir para o financiamento.
A soma de 1,3 biliões aponta para o que tem sido pedido pelos países em desenvolvimento e pela China. “Mas sem ter metas intermédias e se for baseado apenas em financiamento maioritariamente privado, dificilmente será aceite”, salienta Francisco Ferreira.
“Estou tão zangado. É ridículo. Simplesmente ridículo”, comentou Juan Carlos Monterrey Gomez, representante especial do Panamá para as alterações climáticas, citado pela Reuters. “Parece que o mundo desenvolvido quer que o planeta arda.”
“Os pequenos Estados insulares e os países menos desenvolvidos foram completamente postos de lado no texto apresentado pela presidência do Azerbaijão [da COP29]." "O texto basicamente pergunta aos países onde conseguem ir mais baixo", diz um comunicado deste grupo.
“Honestamente, estas propostas são piores do que as anteriores [de quinta-feira]”, adiantou Francisco Ferreira. Embora o fim da COP29 estivesse programado para esta sexta-feira, ninguém em Bacu acredita que as negociações terminem já. Nem que devam terminar já.
Um dos negociadores do Grupo de Nações Africanas, o guineense Alpha Kaloga, referiu-se à proposta de financiamento dos países desenvolvidos como um mau documento. "É uma piada. Uma péssima piada", escreveu na rede social X.
É preciso continuar a negociar, mesmo que a COP29 se prolongue para lá do tempo previsto, e não deve ser fácil. “Estou à espera de ver raios e coriscos quando os países se reunirem”, comentou Stephen Cornelius, porta-voz do Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF) para o Clima e Energia. “O que está em jogo é demasiado importante para que este processo termine num mau acordo que não garanta o financiamento necessário. Os negociadores e líderes políticos têm de fazer melhor para garantir um investimento no nosso futuro colectivo”, afirmou.
Há ainda um longo caminho a percorrer para alcançar um acordo de financiamento que reflicta a enormidade do que as alterações climáticas estão a fazer ao nosso planeta, disse à Reuters Daniel Lund, negociador das Fiji. “O que é oferecido é muito baixo, em relação à escala das necessidades existentes e de como se espera que evolvam”, afirmou. com Aline Flor
A jornalista viajou a convite do Ministério do Ambiente e da Energia