Antigo PGR: “Sistema dá garantias a quem não quer ser julgado num prazo razoável”

Há países onde advogados e procuradores são sancionados se abusarem dos expedientes dilatórios. Problema exige solução legislativa.

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José Cunha Rodrigues, antigo procurador-geral da República Rui Gaudêncio
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O antigo procurador-geral da República José Cunha Rodrigues defende alterações legislativas que permitam aos juízes recusarem-se a apreciar recursos que mais não são do que expedientes dilatórios.

E não está sozinho nas críticas que tece ao actual funcionamento do sistema de justiça: outro jurista, Paulo Dá Mesquita, dá como exemplo os países anglo-saxónicos, onde o abuso de recursos, requerimentos e outras manobras equiparadas por parte de advogados ou de procuradores pode dar-lhes direito a sanções disciplinares, incluindo o afastamento dos processos onde pratiquem o chamado abuso do direito.

Para Cunha Rodrigues, que depois de ter sido o líder máximo do Ministério Público integrou o Tribunal de Justiça da União Europeia, tal como funciona, actualmente o sistema português “dá garantias a quem não quer ser julgado num prazo razoável”. Sem querer pronunciar-se sobre o caso concreto da Operação Marquês, o magistrado aponta os abusos cometidos a este nível como constituindo um problema grave no Direito português.

“Ao contrário da generalidade dos países europeus, o sistema jurídico português desconfia do juiz, burocratizando o processo e limitando a sua margem de apreciação. É uma das razões para que os recursos sejam utilizados como expedientes dilatórios e levem a que um número significativo de processos complexos termine por prescrição, geralmente no Tribunal Constitucional”, descreve. Por essa razão, “o juiz deveria ter competência para dissuadir o mau uso e o abuso do processo, o que incluiria a possibilidade de decidir não conhecer do recurso”.

Na sua agenda anti-corrupção, o Governo prometeu medidas destinadas a reduzir os expedientes processuais destinados a atrasar o curso da justiça, mas ainda não são conhecidos detalhes sobre o assunto.

Também Paulo Dá Mesquita, que é juiz no Tribunal de Contas mas tem vasta obra publicada na área do direito penal, aponta a necessidade de criar medidas legislativas que punam com maior eficácia a litigância abusiva, uma vez que aquelas que existem para desincentivar este tipo de práticas se mostram insuficientes.

A actual lei permite, por exemplo, aos juízes aplicar em casos excepcionais uma taxa sancionatória especial aos requerimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, reforma ou esclarecimento, quando estes se revelem claramente dilatórios ou quando sejam improcedentes por força da existência de jurisprudência em sentido contrário. Mas esta disposição legal que não afecta quem possui capacidade económica, observa Dá Mesquita, que viu com maus olhos o pacote anti-corrupção aprovado em 2021 ter duplicado todos os prazos de recurso nos processos de elevada complexidade, mesmo os respeitantes às questões mais simples.

À insuficiência de disposições legais junta-se, no seu entender, a insuficiência das práticas de juízes e Ministério Público, que deviam “aplicar de forma mais firme os mecanismos que já existem” para evitar delongas.

A “válvula de escape” a que o juiz Francisco Henriques e outras duas colegas o Tribunal da Relação de Lisboa recorreram, esta quarta-feira, para se recusarem, pelo menos por agora, a apreciar mais uma reclamação de José Sócrates é um mecanismo legal que podia ser usado com muito maior frequência, observa também um antigo conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. “Infelizmente, isso não acontece”.

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