Ao meio dia em ponto, Maputo parou para buzinar pelos que morreram nos protestos

Mondlane tinha pedido que os carros parassem e as buzinas se fizessem ouvir em protesto durante 15 minutos e foi isso que aconteceu na capital de Moçambique. “A luta continua”, dizia um manifestante.

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O trânsito parou e buzinou durante 15 minutos em várias artérias de Maputo LUÍSA NHANTUMBO / LUSA
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Um buzinão tomou conta esta quarta-feira das ruas de Maputo, com trânsito parado entre apitos e contestação aos resultados anunciados das eleições gerais de 9 de Outubro, respondendo ao apelo do candidato presidencial Venâncio Mondlane, que pediu ainda três dias de luto até sexta-feira para homenagear “os mártires da revolução das panelas”, como chamou aos protestos pós-eleitorais em Moçambique que já vão com mais de meia centena de mortos.

“Estou aqui a cumprir com o que o nosso ‘Presidente’ falou, que temos de estar aqui a buzinar, a nos expressar contra o que aconteceu aos nossos irmãos, que foram mortos. Estamos aqui para poder mostrar que estamos de luto, isto parte o coração”, explicava Helton Magagule, que parou o caro na Avenida Vladimir Lenine, à entrada do bairro de Maxaquene, para se juntar ao buzinão que durante 15 minutos bloqueou o trânsito. Foi assim em várias outras artérias da capital, em simultâneo às 12h (10h em Portugal continental).

Esta nova fase de protestos convocada por Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), teve a adesão de centenas de pessoas que, vestidas de preto, ou parando as viaturas no meio do trânsito. Uma acção em homenagem às pessoas “baleadas pelas autoridades que as deviam proteger”. Será assim até sexta-feira.

Enquanto os carros, camiões e viaturas de transporte público começavam a parar na rua, entre buzinadelas generalizadas, muitos saíram dos estabelecimentos comerciais e instituições públicas para se juntar no passeio, vestidas de preto, alguns com cartazes, entoando cânticos de apoio a Mondlane.

“O país está mal, é nesse sentido que paramos os carros. Veja como está isto”, afirmava Velemo Sitoe, que também aderiu a este protesto, junto à Praça da Organização da Mulher Moçambicana, prolongando-se pela Avenida Joaquim Chissano.

Com o trânsito parado, alguns subiam ao tejadilho das viaturas para elevar o protesto, outros batiam tambores e panelas, com a polícia a assistir sem intervir, até porque, ao fim de 15 minutos, a circulação começou progressivamente a retomar a normalidade, embora com o som das buzinas e apitos a permanecer como pano de fundo.

“Estou aqui pela luta, pela verdade, pelo desenvolvimento do nosso país. Estamos cansados de ser escravizados”, garantia Cristiano Messer, acrescentando: “A luta continua, não vamos ficar assim a sofrer”.

Carros parados e buzinão que alastraram a outras artérias centrais de Maputo, como as avenidas de Moçambique, Karl Max, 24 de Julho, Eduardo Mondlane, ou ainda no Mercado Estrela ou no bairro do Alto Maé, entre outras zonas.

Neste período de três dias, Venâncio Mondlane apelou igualmente à população para manter o protesto ruidoso nocturno dos últimos dias, de bater panelas e outros instrumentos, mas “sem marchas”, cingindo-se apenas à porta de casa ou ao quarteirão, face aos “infiltrados” e “vândalos” que fomentam a violência e permitem às autoridades adjectivar todos aqueles que protestam como estando interessados só em destruir.

“A nossa manifestação vai ser estar de preto, bater panelas, levantar cartazes. Não vamos pegar em nenhum pau, em nenhuma catana, em nenhum objecto contundente”, afirmou Mondlane num vídeo transmitido na sua página de Facebook.

“É a homenagem que queremos prestar aos que morreram”, disse, admitindo ainda: “Aparentemente estamos a baixar a nossa intensidade, mas estamos em luto”

Afirmou que as 50 vítimas da acção da polícia em manifestações desde 21 de Outubro “morreram como heróis, como mártires de uma revolução”.

Venâncio Mondlane contesta a atribuição da vitória a Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frelimo, o partido no poder desde a independência, com 70,67% dos votos, segundo os resultados anunciados em 24 de Outubro pela CNE e que ainda têm de ser validados pelo Conselho Constitucional.