O activismo vai entrar no Coliseu do Porto em forma de clube de teatro

Projecto aberto a todos, actores e não-actores, assinala três décadas da Associação Amigos do Coliseu, fundada após vitória da população que se opôs à venda da sala a um grupo religioso, em 1995.

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Projecto realizado no âmbito do Serviço Educativo do Coliseu do Porto arranca a 28 de Novembro Adriano Miranda/Arquivo
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Há quase 30 anos, uma multidão saiu à rua para defender uma causa. E ganhou-a. Um grupo religioso queria comprar o Coliseu do Porto, sala de espectáculos emblemática da cidade, para lá fazer uma casa de culto da IURD. Só que os portuenses não deixaram que isso acontecesse. Esse momento terá sido das poucas manifestações populares, nas últimas décadas, com consequências directas e com efeitos quase imediatos. Em 1995, a vontade do povo – milhares de pessoas que saíram à rua – sobrepôs-se à iniciativa de um grupo pouco alinhado com uma maioria que protestou e se fez ouvir.

O Coliseu continuou a ser o que sempre foi e agora, quem gere a sala, quer assinalar essa vitória com quase três décadas. A celebração está prestes a começar com a criação de um grupo artístico que terá como pilar a mesma força que tornou possível a esta sala de espectáculos não ter sido profanada e ainda exista: o activismo. Por isso, nasceu o Clube de Teatro Activista, aberto a profissionais e não-profissionais, que já se prepara para as primeiras sessões de trabalho.

A luta ganha pelas pessoas no passado serviu de mote e a conjuntura actual tornou urgente dar este passo. É assim que explica que se tivesse avançado para a fundação deste clube o presidente da Associação Amigos do Coliseu do Porto (AACP), Miguel Guedes, em conversa com o PÚBLICO, remetendo para o ambiente polarizado que acredita hoje existir. E, por agora, diz já ter sido uma aposta ganha. As candidaturas que chegaram duplicaram o número de vagas que existiam – eram cerca de 25, mas foram submetidas mais de 50. “Isto é sinal de que esta ideia de que as pessoas desistiram está profundamente errada. A morte do activismo é manifestamente exagerada”, sublinha o dirigente da sala de espectáculos, que não fica surpreendido com a adesão pelo facto de “o mundo estar polarizado e quase entregue ao absurdo e à desinformação”. Por isso, defende, é necessário reagir.

Este é o contributo dado pela associação que encabeça, a AACP, criada em Janeiro de 1996, no ano seguinte aos protestos contra a compra do espaço pela IURD, para que através do Clube de Teatro Activista se pensem e questionem “as grandes questões” em conjunto. Para que seja possível o diálogo, defende que se deve tentar “colocar o mais possível a ideologia de parte”. Ou seja, o grupo não terá como base cores partidárias.

O projecto ia arrancar já nesta quinta-feira. Mas, por causa do elevado número de candidaturas, o processo de selecção será mais demorado. A primeira sessão está agora marcada para 28 de Novembro. A última está agendada para Julho do próximo ano.

Projecto de afectos e amor

A convocatória para a criação do grupo foi feita a toda a gente, actores ou não actores. Miguel Guedes afirma que esta é “a primeira pedra” deste projecto criado no âmbito do serviço educativo da instituição e que assinala o início das celebrações dos 30 anos do nascimento da Associação Amigos do Coliseu.

A expectativa é de que o clube possa continuar para lá do prazo agora definido. Pergunta-se se no final desta primeira etapa, em Julho de 2025, nascerá uma peça de teatro ou outras iniciativas. O presidente da sala de espectáculos deixa isso nas mãos do director-artístico do projecto, o actor/encenador Pedro Lamares, a quem diz não ter pedido nada além de orientar o clube de teatro. “Preferimos que este caminho seja um caminho em aberto para várias e múltiplas acções dentro do coliseu e fora dele, que não se esgote num espectáculo ao vivo”, afirma.

Ao PÚBLICO, Pedro Lamares, que em actos eleitorais passados apoiou publicamente o Bloco de Esquerda, também salienta que os partidos ficam à porta do clube de teatro que vai orientar. “A minha forma de dirigir o grupo não será partidária nem panfletária”, afirma. Há outros valores que se sobrepõem: “O meu lado da barricada não está na esquerda contra a direita, está na democracia contra a não-democracia, nos democratas contra os antidemocratas.” A sua preocupação, neste momento, é “voltar a encontrar um espaço de diálogo e não um espaço de barricada e de criação de monstros, que é o que mais interessa a quem está contra a nossa democracia”.

A selecção ainda não foi feita, mas, por agora, o grupo de pessoas que se inscreveu parece “heterogéneo”. “Parece que o grupo vai misturar pessoas com experiências muito diferentes”, salienta. E há também alguns actores profissionais e pessoas com formação de actor que se candidataram. Seja qual for a selecção, na base terá de existir “amadorismo” no sentido da palavra que o remete para “quem faz por amor” e não para quem executa algo com “um certo descomprometimento com a qualidade”. “Este é um projecto de amor e de afectos e o que tem de ligar as pessoas é a disponibilidade crítica, o pensamento, o diálogo e a disponibilidade de análise, de observação e de reflexão da nossa sociedade”, afirma.

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