O tempo das celebridades nas campanhas políticas
A presença de influencers, artistas e comediantes ao lado dos candidatos já não rende como rendia.
A anunciada vitória de Trump, nestas eleições de 2024, mostra que existe algo de muito insidioso nos eleitorados atuais – um profundo desconto da opinião de referentes, de influencers, de artistas e dos media.
Lá, como deste lado do Atlântico, observou-se a presença sonora de muitas figuras que diríamos de influência mediática a favor da candidatura de Kamala Harris. Também como lá, a generalidade de artistas, inteletuais, influencers e até de dominadores do espaço mediático diz “presente” em muitos momentos eleitorais, tendendo a favorecer determinadas candidaturas, sobretudo da esquerda do espetro político.
No entanto, se antes estas presenças capitalizavam votos, atraindo muitos indecisos que seguem estes artistas, inteletuais e influencers na escolha da roupa ou do penteado para o dia-a-dia, agora muitos destes indecisos parecem mesmo contrariar o sentido apelado de voto por esses referentes.
Terão os eleitores começado a desconfiar dos artistas?
Não me parece. Para mim, assim como para uma lista de analistas políticos e politólogos extensa, o fenómeno deve ser analisado com um crivo mais fino.
Em primeiro lugar, a “autoridade na matéria”. Por norma, damos mais autoridade a um médico ortopedista perante um problema persistente no nosso cotovelo do que à opinião do nosso vizinho faz-tudo que sabe imenso de bricolage. Também dou mais autoridade à opinião de um economista ou de um analista político quando comenta programas eleitorais do que à opinião de um comediante sobre os mesmos programas eleitorais. Obviamente para rir da realidade prefiro a expressão do comediante e não a do economista.
Em segundo lugar, talvez o eleitorado não se tenha deslocado para um vértice do polígono político mas os comediantes, influencers e artistas tenham movido a sua expressão para vértices mais distantes da centróide desse eleitorado. Os comediantes, influencers e artistas deixaram de ser uma projeção de boa parte desse eleitorado e, portanto, boa parte desse eleitorado vê-os como cidadãos úteis para algumas coisas mas pouco úteis para outras. Vê-os como figuras bem-sucedidas, que ocupam lugares de sonho em termos societais e portanto desligados dos problemas reais dos meros mortais.
Finalmente, a agenda dos marketeers políticos. São eles que sugerem a presença de influencers, artistas e comediantes ao lado dos candidatos. E havendo dinheiro para subvencionar o esforço, mais depressa essa presença acontece. Como qualquer treinador, por vezes estes estrategas políticos percebem que a estratégia não foi a mais apurada para o jogo. Assim como aos poucos vão percebendo que gastar dinheiro com celebridades já não rende como rendia.
Na verdade, houve um tempo em que a presença de celebridades junto de um político rendia mais. Esse era um tempo em que a celebridade fazia a ponte entre o político, com a sua distância social, e o eleitorado. Nessa distância, a celebridade ainda tinha algo de eleitorado real, fosse na origem, fosse na história do sonho concretizado, fosse porque as suas palavras eram suas, e não ditadas.
Ainda assim, o pior que pode acontecer é a arte submeter-se à política. Assim como não conseguimos (para o comum dos mortais) enfiar uma massa maior num volume menor, também a arte existe para nos libertar da política. E mostrar-nos que existe sempre mais vida para lá de resultados eleitorais ou opções políticas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico