Do papel à prática: a ação climática não pode mais ser adiada

Sem ação imediata, o mundo está a caminho de um aumento da temperatura média global entre 2,6°C e 3,1°C até 2100. Há muito a fazer para reduzir emissões e evitar impactos climáticos incertos.

Ouça este artigo
00:00
04:53

Vivemos, na atualidade, crises humanitárias graves que consomem recursos e desviam a nossa atenção de outra crise igualmente severa: a crise climática. Esta não é uma crise isolada ou longínqua; é estrutural e sistémica, desencadeando outras crises humanitárias e deixando consequências irreversíveis em todas as regiões do nosso planeta.

Acontece que, ao contrário de outras crises humanitárias, cujas soluções podem ser mais imediatas, a estabilização do aquecimento global só é possível quando deixarmos de emitir a última molécula de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera ou quando as emissões forem integralmente compensadas por estratégias de remoção de CO2 que sejam duradouras, permanentes e seguras. O momento em que isso ocorrer definirá o nível de aquecimento com o qual a humanidade terá de lidar — seja de 1,5°C, 2°C ou 3°C acima dos níveis pré-industriais — e os riscos associados.

O mais recente relatório Emissions Gap Report, divulgado nesta quinta-feira pela Agência de Proteção Ambiental das Nações Unidas (UNEP, na sigla em inglês) quantifica as implicações da insuficiência das políticas climáticas anunciadas e dos atrasos na sua implementação para o aquecimento global do planeta. Mais uma vez, e infelizmente sem surpresa, o relatório mostra que não estamos no caminho certo. As emissões de gases de efeito estufa (GEE) globais atingiram em 2023 um nível histórico de 57,1 mil milhões de toneladas, o que representa um aumento de 1,2 % face ao ano anterior – uma clara indicação de um retorno às taxas de crescimento observadas antes da pandemia da covid-19.

O relatório conclui que, sem uma ambição reforçada nas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) no âmbito do Acordo de Paris, e sem ação imediata, o mundo está a caminho de um aumento da temperatura média global entre 2,6°C e 3,1°C até ao final deste século. Os compromissos de neutralidade climática, em conjunto com a implementação efetiva das NDC, poderiam limitar o aquecimento global a 1,9°C, mas não se vislumbra credibilidade na execução desses compromissos.

Para avançarmos na prossecução dos objetivos assumidos, exige-se uma grande determinação. Sabe-se já que, para manter o aquecimento abaixo dos 2°C até ao final do século, as emissões terão que ser reduzidas 28% ainda nesta década e 37% até 2035 em relação aos níveis de 2019 – o novo ano de referência a ser incluído nas próximas NDC. Ou seja, será necessário reduzir 4% das emissões todos os anos até 2035. Por sua vez, para alcançar um limite da ordem dos 1,5°C, exige-se uma redução ainda mais significativa de cerca de de 7,5% das emissões anuais, sendo que, em caso de inércia, os cortes anuais necessários serão ainda mais desafiantes.

Não podemos, por isso, baixar os braços. Há muito a fazer para reduzir as emissões e evitar impactos climáticos cujas consequências não conseguimos ainda prever em toda a sua extensão. O potencial técnico para diminuir emissões de GEE em 2030 pode chegar a 31 mil milhões de CO2 equivalente – cerca de 52% das emissões de 2023 – e de 41 mil milhões em 2035. Isto, per se, fecharia a diferença para atingirmos um aquecimento global de 1,5°C naqueles anos, a um custo inferior a 200 dólares por tonelada de CO2 equivalente.

Globalmente, o aumento da utilização de tecnologias fotovoltaicas solares e de energia eólica poderia representar 27% do potencial de redução total em 2030 e 38% em 2035. Também as ações relacionadas com a melhoria da gestão de florestas poderiam contribuir com cerca de um quinto do potencial total de redução. Outras opções incluem medidas de eficiência energética na indústria, nos transportes e nos edifícios.

No entanto, implementar este potencial exige uma mobilização internacional sem precedentes e uma abordagem integrada por parte de todos os governos e do setor privado. É fundamental priorizar medidas que maximizem os benefícios socioeconómicos e ambientais, minimizando, ao mesmo tempo, potenciais efeitos adversos. O investimento em mitigação terá de aumentar pelo menos seis vezes em relação aos níveis atuais para alcançar a neutralidade climática. Este aumento deverá ser sustentado por uma reforma da arquitetura financeira global, uma ação robusta do setor privado e cooperação internacional. O investimento incremental é estimado entre 0,9 a 2,1 biliões de dólares por ano de 2021 a 2050 e trará benefícios substanciais ao evitar custos associados a impactos climáticos, à poluição do ar, a danos no meio ambiente e na saúde. Estes valores são uma pequena parte da economia global, avaliada em cerca de 110 biliões de dólares anualmente.

Em suma: a ação climática, pela importância crucial de que se reveste, não pode mais ser adiada!


A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico