Sinto pelos palestinianos e sinto pelos israelitas. Empatia, procura-se

Nós, humanos, somos todos iguais. Do ponto de vista biológico na espécie Homo sapiens, não existem subespécies nem raças.

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Temos de aprender a sentir a humanidade. Temos de cultivar a nossa empatia. Temos de aprender a colocarmo-nos no lugar dos outros. Vou começar pelos temas do momento. Eu sou pró-Palestina porque entendo que é o povo que não tem direitos, não tem o reconhecimento da comunidade internacional, está a ser esmagado silenciosamente através da construção ininterrupta de mais e mais colonatos, e está a sofrer os horrores de mortes de milhares de inocentes por bombas, à sede e à fome, com 70% das vítimas a serem mulheres e crianças.

Mas eu tenho mais do que espaço no meu coração para empatizar com as vítimas, as famílias das vítimas do 7 de Outubro, e o inferno por que estão a passar os reféns israelitas em Gaza e as suas famílias que sofrem o inimaginável. Também tenho empatia pelo “israelita comum”, que vive sob ameaça constante, com idas para os bunkers a qualquer hora do dia, e ainda pelos que tiveram de abandonar as suas casas pelos perigos da proximidade do conflito. Eu faço uma distinção bem marcada entre os israelitas, que não têm culpa nenhuma pelo que se está a passar, e o actual governo israelita, ao qual não poupo nas críticas, basta ver que o sionismo por definição vai contra os direitos humanos.

Nós, humanos, somos todos iguais. Do ponto de vista biológico na espécie Homo sapiens, não existem subespécies nem raças. Há diferenças genéticas que determinam p.e. a cor da pele que é das características que infelizmente mais cria divisões entre as pessoas, mas um branco pode ter mais património genético em comum com um negro (espero que esta palavra não ofenda ninguém) do que com outro branco. Tudo o que verdadeiramente cria clivagens entre os seres humanos é a cultura, a sociologia que por sua vez depende quase exclusivamente do sítio onde nascemos e onde vivemos, e da nossa família e da sociedade que nos rodeia. Religião, etnia, idiomas, costumes, tudo isso é exclusivamente cultura.

Eu nasci no Canadá, os meus pais são portugueses de várias gerações, e emigraram para o Canadá durante uns sete anos. Regressaram para Portugal quando eu ainda não tinha 2 anos para todo o sempre, e eu, infelizmente, nem nunca lá voltei. Eu podia ter dupla nacionalidade, mas nunca senti necessidade, até porque está provado que o passaporte português é dos menos problemáticos do mundo. O que é que sinto pelo Canadá? Nada, rigorosamente nada, nem memórias tenho. Mas há algo no meu subconsciente, que foi sendo alimentado na minha forma de ver o mundo: que pessoa é que seria eu se tivesse ficado no Canadá e tivesse lá vivido a vida toda? Certamente alguém muito diferente.

E quem é que eu seria se tivesse nascido na China? Ou no Afeganistão? Ou na República Democrática do Congo? Ou na Rússia? Ou no Burkina Faso? Ou numa família trumpista nos EUA? Quem é que eu seria hoje? Como é que eu veria o mundo? Daí tentar procurar sempre uma verdade que nos une, uma verdade que seja verdade em qualquer ponto do planeta. E por isso escolhi como “religião” a ciência, os direitos humanos, a bondade e a compaixão. E não penso nunca do alto duma superioridade moral, mas sempre com a certeza e a humildade de quem sabe que a ignorância é o caminho a percorrer, e a aprendizagem de como ser, humano, estará sempre incompleta.

É muito importante fazer a distinção entre patriotismo e nacionalismo. É como o amor de mãe. Eu adoro incondicionalmente a minha mãe, e cada um deve sentir o mesmo pela sua. Mas eu não sou capaz de dizer que a vida da minha mãe é mais valiosa do que a da vossa mãe. A mesma coisa com o patriotismo: eu quando vou em missão até sou gozado por dizer tantas vezes que o Porto e Portugal são a coisa mais maravilhosa do mundo; mas sou incapaz de pensar que ser português é melhor do que ter outra nacionalidade qualquer, como pensam os nacionalistas. É a diferença entre amor por quem somos e pelas nossas pessoas, e o ódio e superioridade pelas diferenças.

Eu fui massacrado e ainda sou pelos negacionistas da ciência. Já fui vítima de agressão, ironicamente dentro duma farmácia, e insultado, ameaçado e gravado num vídeo que se tornou viral, onde cruelmente me atacaram sobre a minha doença. Mas eu compreendo a esmagadora maioria dos negacionistas, eu consigo pôr-me no lugar deles. Muitos foram economicamente arrasados, outros sentiram os seus problemas de saúde prejudicados, ou ficaram apenas revoltados com as restrições que nos foram impostas, e quando brota a incompreensão é preciso arranjar caras para o “inimigo”, e eu fui uma delas. Mas eu consigo ter empatia mesmo com quem me odeia. Eu não os odeio e compreendo-os.

Eu sou pró-Ucrânia porque acredito na soberania dos povos, e sou contra qualquer espécie de imperialismo. Mas eu sinto pelos 500.000 ou mais soldados russos que já morreram e as suas famílias. Eles não têm culpa, alguns ainda muito jovens e obrigados a combater, sem sequer compreender o conflito. Eu detesto o Putin e tudo o que ele representa pelo mal que faz ao mundo, mas sinto empatia com o povo russo, que é ou doutrinado pela propaganda de um regime ditatorial ou sabe que é preso ou morto se levantar a voz contra o regime.

E se eu tivesse nascido no Afeganistão, educado numa madraça e moldado por uma opressão cultural/religiosa? Que culpa tem a generalidade dos afegãos das maldades do regime dos taliban? E se eu tivesse nascido na China, sem informação acessível do que é o resto do mundo, sem saber o que é ter direito a uma opinião política? Eu sinto empatia pelo povo chinês que é oprimido por um regime duríssimo, não culpo a generalidade da população pela anexação do Tibete, pelo massacre dos uigures, ou pelo que ainda estará para vir em Taiwan.

É possível ter empatia pelos milhões de portugueses que vivem abaixo do limiar da pobreza, e sem roubar espaço à empatia que sinto pelos milhões de crianças que morrem em África todos os anos, por doenças facilmente evitáveis ou tratáveis. As boas causas não competem umas com as outras, as boas causas adicionam-se.
O que falta neste mundo é empatia pelo desconhecido, é colocarmo-nos no lugar dos outros e pensarmos e agirmos com compaixão. Se soubéssemos a história do outro, não odiávamos ninguém. É só olhar para dentro e perguntarmos “E se fosses tu?” e deixar que o lado mais bonito do nosso coração nos traga as respostas.

“No meu jardim, não cultivo o ódio”, Pepe Mujica. É das frases com que mais vezes reforço as minhas ideias.

Procuram-se vivas ou mortas, as emoções: bondade, compreensão, empatia e compaixão.

Foto

As crónicas de Gustavo Carona são patrocinadas pela Fundação Manuel António da Mota a favor dos Médicos sem Fronteiras

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