Arqueólogos descobrem 12 esqueletos humanos na Cidade Rosa, num túmulo ainda selado

Petra continua a revelar-se a cada escavação. Túmulo junto ao seu edifício principal guardava ainda muitos artefactos, entre eles uma taça que é parecida com o Santo Graal que o cinema nos deu.

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Josh Gates (ao centro) com o arqueólogo Pearce Paul Creasman (à dta.) frente ao edifício conhecido como Tesouro Cortesia: Expedition Unknown
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O cenário é de filme e não é, por isso, de estranhar que por lá tenham passado várias equipas de rodagem, uma delas liderada pelo norte-americano Steven Spielberg, no final dos anos 80. Na memória de muitos estará a chegada (e depois a partida) de Indiana Jones (Harrison Ford) e do seu pai, o determinado e mordaz Dr. Henry Jones (Sean Connery), ao principal monumento de Petra, a Cidade Rosa, em Indiana Jones e a Grande Cruzada (1989).

O faustoso túmulo com 12 colunas e várias esculturas a marcarem-lhe a fachada foi escavado na rocha e o nome por que é conhecido não podia reforçar mais a aura de mistério ao gosto de Hollywood deste sítio arqueológico na Jordânia que integra a lista do património mundial - Al Khazneh, “O Tesouro”.

Esculpido num desfiladeiro há mais de dois mil anos, este edifício viu parte do seu entorno analisado por arqueólogos há cerca de 20 anos e, desde aí, esperava o regresso dos especialistas para alargar, e aprofundar, os exames então feitos, exames esses que identificaram várias sepulturas.

De acordo com o diário norte-americano The New York Times, uma equipa liderada por Richard Bates, geofísico e professor na Universidade de St. Andrews, a mais antiga da Escócia, foi autorizada a usar um potente radar de penetração no solo do interior do mausoléu do século I a.C. e nas suas imediações, tendo determinado a área a intervencionar.

A escavação que se seguiu a este segundo estudo não invasivo acabaria por pôr a descoberto 12 esqueletos humanos e uma câmara de oferendas feitas em contexto fúnebre. “Estes dados são impressionantes”, disse Bates ao New York Times, admitindo a surpresa perante a autorização recebida para fazer o levantamento dentro do Tesouro.

Os 12 esqueletos foram encontrados num túmulo que permaneceu intocado e que fica mesmo frente às sepulturas localizadas com o radar em 2003.

Pouco se sabe sobre os nabateus

Os arqueólogos e historiadores acreditam que estes achados podem contribuir para desvendar alguns dos mistérios de Petra, fundada no século IV a.C. e capital do reino nabateu, um povo da antiga Arábia que se dedicava à agricultura e ao comércio e que é reconhecido pela sua sofisticação no que à cerâmica e ao desenho de estruturas hídricas diz respeito.

Este reino, capaz de edificações como as que guarda a Cidade Rosa, núcleo que deve o nome à cor do granito das suas edificações, foi anexado ao império romano no começo do século II e as suas cultura e tradição por ele engolidas, o que pode ajudar a explicar por que razão se sabe ainda hoje tão pouco sobre os nabateus.

A sepultura agora escavada por uma equipa que inclui investigadores do Departamento de Antiguidades da Jordânia e do Centro Americano de Investigação, organização sediada naquele país do Médio Oriente e dirigida pelo arqueólogo Pearce Paul Creasman, professor da Universidade do Arizona, encontra-se frente à entrada do Tesouro e a sua câmara está dividida por paredes, criando pequenos espaços, algo que não acontece em mais nenhum dos mausoléus da cidade, escreve o diário americano.

“As pessoas pensam que conhecem Petra, [mas só] reconhecem o Tesouro”, disse Creasman. “Passam por aqui e há muito mais debaixo dos nossos pés.”

Este arqueólogo, que é um dos responsáveis pela escavação, acredita que a sepultura é anterior à construção do edifício, mas será preciso estudar os restos humanos e os artefactos que dela saíram para apurar datas com um grau maior de certeza (ou menor de dúvida).

Richard Bates avança como hipótese que os esqueletos ali tenham sido depositados entre o ano 400 a.C. e o ano 106, que marca a chegada dos romanos, período “mesmo a meio da civilização nabateia”, cita o mesmo diário.

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O cálice de cerâmica encontrado na mão de um dos esqueletos, pela que faz lembrar o Santo Graal de Indiana Jones e a Grande Gruzada Cortesia: Expedition Unknown

Este geofísico e a restante equipa gostariam agora de alargar a área a escavar, já que o radar identificou outros “vazios” no subsolo junto ao edifício, o que pode significar que há ainda outras sepulturas que não foram abertas.

Embora a teoria mais corrente é de que tenha servido de mausoléu, não há certezas quanto seu propósito deste edifício à data da construção e, por isso, não há consenso entre historiadores e arqueólogos.

A equipa espera agora vir a conseguir mais financiamento para dar continuidade aos trabalhos, que foram acompanhados por uma equipa de televisão do Discovery Channel. O programa sobre esta descoberta, integrado na popular série Expedition Unknown, de Josh Gates, passou no sábado.

O facto de o túmulo revelado este Verão ter sido encontrado selado, quando a maioria das sepulturas da cidade foram devassadas e pilhadas ao longo dos séculos, pode levar os especialistas a reunir informação até aqui inédita sobre os nabateus, sublinha o diário francês Libération.

Em entrevista à Collider, publicação digital especializada em notícias sobre cinema e televisão, Josh Gates, o arqueólogo com aura de Indiana Jones que a televisão tornou célebre, não escondeu o seu entusiasmo em torno das recentes descobertas em Petra, onde se juntou à equipa de escavações durante as semanas em que decorreram as filmagens. O momento mais emocionante, reconheceu, foi quando encontraram uma taça em cerâmica muito semelhante à que no filme de Spielberg é identificada como sendo o cálice que Cristo usou na Última Ceia.

“No túmulo, ao encontrarmos um recipiente que, à primeira vista, se parece exactamente com o Santo Graal da Grande Cruzada, todos ficaram paralisados”, contou Gates, que começou a preparar-se para gravar o programa um ano antes, quando foi ter com Creasman ao Sudão, onde o arqueólogo estava a escavar uma pirâmide que tinha sido inundada. “Estava agarrado à mão do esqueleto e toda a gente ficou em silêncio, porque ninguém o queria dizer em voz alta, mas todos pensavam a mesma coisa: parece o cálice sagrado. Foi um daqueles momentos em que a história imita a arte — mesmo por baixo daquele edifício onde foi filmada uma das cenas mais famosas do cinema, havia um recipiente real, numa história que é real, num mistério que não é apenas cinematográfico.”

Não faltarão agora arqueólogos e outros especialistas a contestar o lado de espectáculo desta escavação, mas certo é que, tal como outras arredadas dos holofotes televisivos, pôs a descoberto algo que tem potencial para vir a produzir conhecimento científico.

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