Cientistas descobriram vida animal debaixo do fundo do mar

Vermes aquáticos e outros animais são capazes de prosperar abaixo da crosta do oceano, junto a fontes hidrotermais, revela estudo. Descoberta pode obrigar a repensar extensão dos habitats no Pacífico.

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Acredita-se que as larvas do verme Riftia pachyptila apanhem “boleia” na coluna de água das fontes hidrotermais e, assim, consigam “viajar” pelo submundo do oceano CC BY-NC-SA Schmidt Ocean Institute
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Os cientistas usaram na investigação um veículo operado remotamente, munido de maquinaria capaz de perfurar e levantar placas de lava CC BY-NC-SA Schmidt Ocean Institute
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Passámos muito tempo a pensar que só vírus e micróbios poderiam viver sob a crosta do oceano, por baixo das fontes hidrotermais. Agora, sabemos que não é verdade: animais como o Riftia pachyptila, um verme tubícola “enfeitado” com plumas vermelhas, são capazes de prosperar nesses ambientes extremos, revela um artigo publicado nesta terça-feira na revista científica Nature Communications.

“Esta é a primeira vez que se descobre vida animal por baixo da crosta oceânica”, afirma ao PÚBLICO a co-autora Sabine Gollner, bióloga no Instituto Real de Investigação Marinha da Holanda, que estava a bordo do navio de investigação Falkor no momento em que a equipa fez a descoberta na Elevação do Pacífico Oriental.

A Elevação do Pacífico Oriental é uma cordilheira escondida sob a água salgada, que tem a particularidade de ser vulcanicamente activa. Como está situada no ponto de encontro de duas placas tectónicas divergentes, contém numerosas fontes hidrotermais. Estas chaminés fumegantes resultam do encontro do magma escaldante com a água do mar.

Acredita-se que as larvas do Riftia pachyptila apanhem “boleia” na coluna de água das fontes hidrotermais e, assim, consigam “viajar” pelo submundo oceânico, sendo transportadas pelos fluidos. Embora este fenómeno nunca tenha sido observado, os autores aventam esta hipótese, uma vez que encontraram indivíduos adultos, assim como outros animais, nas cavidades por baixo da crosta do oceano.

Para explorar as profundezas do oceano Pacífico, os cientistas usaram o veículo operado remotamente SuB-astian, munido de maquinaria capaz de perfurar e levantar placas de lava. Quando o robô revirou um pedaço da crosta, deixou à mostra cavidades habitadas por espécies que antes só eram vistas no leito do oceano, incluindo os tais vermes tubícolas gigantes (Riftia pachyptila), minhocas e caracóis. Ao ver as imagens a bordo do Falkor, os investigadores logo perceberam que estavam diante de provas da existência de vida animal debaixo do fundo do mar.

“É difícil explicar qual é o meu sentimento porque me sinto tão grata e tão sortuda. Fizemos uma descoberta muito maior do que esperávamos. Isto é algo que vai mudar a nossa perspectiva sobre a vida nas fontes hidrotermais”, afirma a primeira autora Monika Bright, da Universidade de Viena, Áustria, num vídeo de divulgação do grupo Nature.

O estudo da Nature Communications lança uma nova luz sobre habitats submarinos complexos. Os autores sugerem que as larvas de espécies que habitam o leito do oceano também podem estar aptas a colonizar o submundo marinho. E, se assim for, poderá haver aqui uma possível interdependência entre os ecossistemas vizinhos.

Esta descoberta pode ter impactos, por exemplo, na avaliação de projectos de mineração em mar profundo. “É sabido que as fontes hidrotermais activas, onde se podem ver os vermes tubícolas, por exemplo, ou outros animais à superfície do fundo do mar, precisam de ser protegidas da exploração mineira em águas profundas. Agora, descobrimos que o que vemos à superfície não é tudo, mas que o ecossistema das fontes se estende até à crosta terrestre. Ainda não se sabe até onde chega o habitat por baixo das chaminés. Isto exige precaução, uma vez que, por exemplo, a extracção de minerais perto de fontes activas pode ameaçar o ecossistema dessas chaminés”, alerta Sabine Gollner.

Com a ajuda de máquinas e robôs

Para ter “um primeiro vislumbre do submundo das fontes hidrotermais”, conta Sabine Gollner ao PÚBLICO, a equipa recorreu a um cinzel e ao braço do robô para fazer um furo na placa de lava; depois, com a ajuda de um outro instrumento, os cientistas viraram a rocha ao contrário.

“É difícil operar no mar profundo devido à elevada pressão (a mais de 2500 metros de profundidade). Utilizamos robôs, por isso, só podemos ver através de câmaras e só podemos operar com braços mecânicos. Tanto quanto sabemos, ainda não dispomos de instrumentos que possam mapear as cavidades abaixo do leito marinho”, explicou Sabine Gollner, numa resposta por escrito.

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Monika Bright, Sabine Gollner (à direita) e colegas discutem as operações de mergulho a bordo do navio de investigação Monika Naranjo/DR

A investigação prévia da equipa, a bordo do navio do Instituto Ocean Schmidt, debruçou-se em organismos que gravitam à volta das fontes hidrotermais, incluindo mexilhões e os grandes vermes tubícolas. A ideia de que poderia haver vida animal por baixo do leito oceânico não foi então explorada, segundo uma nota de imprensa do grupo Nature.

As fontes hidrotermais na Elevação do Pacífico Oriental foram descobertas em 1979, e anunciadas no ano seguinte num artigo publicado na revista científica Science. Estas chaminés no fundo do oceano têm como residentes animais que sobrevivem onde a escuridão impera, algo que só é possível porque recorrem à quimiossíntese (em vez da fotossíntese) para produzir energia.

Uma vez que muitos desses animais são hospedeiros de comunidades bacterianas densas – com as quais estabelecem relações simbióticas –, e que esses microrganismos oxidam produtos químicos reduzidos e fixam carbono, o facto de alargar agora o habitat dessas espécies à subcrosta pode ter ainda consequências nas medições dos fluxos geoquímicos, tanto locais como regionais, referem ainda os autores.