O Tribunal universitário
A confirmar-se a eleição do nome agora proposto, dos 13 juízes do TC, 9 serão provenientes da academia e apenas 4 terão feito a sua carreira nos tribunais, contrariando o espírito da Constituição.
A Assembleia da República (AR) agendou para o dia 18 de outubro a eleição da nova juíza conselheira do Tribunal Constitucional (TC), para suceder ao conselheiro Teles Pereira, que agora termina o seu mandato. O nome proposto é o da Prof. Maria João Vaz Tomé, juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) desde 2018.
Segundo o art.º 222.º da Constituição da República Portuguesa, o TC é composto por 13 juízes (dez designados pela AR e três cooptados por aqueles dez), devendo seis deles ser “obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos restantes tribunais”. Esta composição mista foi uma opção deliberada do legislador constitucional, pretendendo-se com ela alcançar um equilíbrio entre a visão prática de quem (os juízes de carreira) conhece profundamente a realidade dos tribunais e a prática processual e forense e a visão teórica de quem (os académicos) dedicou a sua vida ao estudo científico do Direito. Nas palavras de Jorge Miranda (Juízes Constitucionais e Parlamentos – A Experiência de Portugal, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas – Centro de Investigação de Direito Público), a participação de juízes de carreira na composição do TC “é muito conveniente (…) pela convivência que desenvolvem com juristas académicos, pela troca de experiências que isso permite e pela recíproca abertura a diversos modelos de encarar as questões, pelo pluralismo, em suma, que, sob este aspecto, o Tribunal adquire”.
O conselheiro Teles Pereira foi eleito em 2015 para preencher uma das seis vagas do TC destinadas a juízes, sucedendo ao conselheiro José da Cunha Barbosa (também ele um juiz de carreira). Lógico seria que a sua sucessora fosse – como ele – uma juíza de carreira.
Sucede que a Prof. Maria João Vaz Tomé, apesar de presentemente ser juíza conselheira do STJ, acedeu a este tribunal em 2018 pela quota dos juristas de mérito. Fez toda a sua carreira na academia (como se pode constatar da análise do CV disponível na página web do STJ – https://www.stj.pt/estrutura/maria-joao-vaz-tome/) e a única experiência que tem dos tribunais é a dos últimos seis anos, desde que em setembro de 2018 tomou posse diretamente no STJ.
Não é a primeira vez que a AR nomeia juízes que não fizeram a sua carreira nos tribunais para preencher as vagas que a estes deveriam ser destinadas: em 2016 saíram cinco conselheiros – dois juízes e três académicos – tendo sido eleitos uma juíza de carreira e quatro académicos, um destes a Prof. Clara Sottomayor (a exercer funções no STJ pela quota dos juristas de mérito); em 2021 saíram três conselheiros – dois juízes e um académico – tendo sido eleitos um juiz de carreira e dois académicos, um destes a Prof. Maria Benedita Urbano (a exercer funções no STA pela quota dos juristas de mérito).
A confirmar-se a eleição do nome agora proposto, dos 13 juízes do TC, nove serão provenientes da academia e apenas quatro terão feito a sua carreira nos tribunais, como magistrados, contrariando o art.º 222.º da CRP.
Não está aqui em causa a qualidade da candidata nem muito menos levantar-se qualquer suspeição sobre o processo da sua indicação. Do que aqui se trata é de denunciar que a nomeação para o TC de juízes de tribunais superiores provenientes da carreira académica é uma violação clara do espírito da Constituição: viola-se a teleologia da norma, perdendo-se o almejado equilíbrio entre teoria académica e experiência forense.
Há alguns anos, o legislador alterou a composição dos tribunais superiores (STJ e STA), abrindo‑os a não juízes, assim alargando a sua pluralidade. Seria – no mínimo – irónico, que essa pluralidade que se pretendeu alcançar nesses tribunais viesse a eliminar aquela que o legislador constitucional anteriormente estabeleceu para o TC.
Idealmente, a nomeação dos juízes de carreira para o TC deveria estar nas mãos do Conselho Superior da Magistratura, órgão cuja composição plural (com membros nomeados por dois terços da AR e pelo Presidente da República e eleitos pelos juízes) garantiria a independência da nomeação e a inexistência de corporativismo (relembre-se que os juízes estão em minoria na composição do CSM). Evitar-se-ia também a frequente associação dos juízes de carreira nomeados para o TC a determinado partido ou orientação política.
Em qualquer caso (nomeação pelo CSM ou eleição pela AR), é imperioso que seja estabelecido um processo transparente, com anúncio público da existência da vaga, prazo para apresentação de candidaturas por qualquer juiz interessado, obrigatoriedade de apresentação de CV e carta de motivação e audições públicas (perante o CSM ou perante a comissão parlamentar competente antes da formação de listas a submeter a votação). Só depende da vontade da AR que assim passe a suceder.
Concluindo de forma clara: a AR é livre de, numa futura revisão constitucional, alterar o equilíbrio que em 1982 o legislador constitucional quis consagrar na composição do TC. O que não pode é querer fazê-lo de forma indireta, através dos juízes que nomeia.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico