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“A violência doméstica é a maior democracia, não tem classe social”, diz Luiza Brunet
A ativista e ex-modelo Luiza Brunet está em Portugal para falar sobre a violência contra mulheres. Ela alerta que as imigrantes devem buscar ajuda nos consulados e nas embaixadas.
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A ativista e ex-modelo Luiza Brunet, 62 anos, está em Portugal para participar de uma série de eventos voltados para as mulheres. Ela assumiu a causa em defesa das mulheres, após ser vítima de agressão em 2016 pelo então marido em um apartamento de luxo em Nova York. Esse evento mudou a trajetória de vida dela. Já fez mais de 100 viagens para falar a favor das mulheres e denunciar a violência que sofrem em todo o mundo. Luiza afirma que é muito importante que as mulheres assumam o controle financeiro de suas vidas.
Em Lisboa, foi recebida, nesta quinta-feira, pelo embaixador do Brasil em Portugal, Raimundo Carreiro. Luiza estava acompanhada da também ativista, Vanessa Lapolli, brasileira radicada em Milão. Entregaram a Carreiro o protocolo do sinal vermelho, movimento do qual é embaixadora. O protocolo consiste em ensinar mulheres vítimas de violência doméstica a fazerem um sinal em cruz em tinta vermelha na palma da mão para pedir socorro sem que os agressores percebam, mesmo eles estando ao lado delas.
No encontro, o embaixador enfatizou a importância de estar presente junto à comunidade brasileira em Portugal, estimada em 700 mil pessoas. Carreiro deu como exemplo a agressão que uma jornalista brasileira, estudante de mestrado sofreu na Universidade do Minho. Ela levou um soco na boca e um chute na barriga.
“Tivemos uma participação muito ativa nessa situação. Estive pessoalmente com ela, que me fez um relato do que aconteceu. O Itamaraty me orientou a cobrar uma atitude do reitor da universidade, que me comunicou oficialmente o resultado. O agressor foi punido, mas a punição foi suspensa, algo que acontece aqui em Portugal. Já o processo na Justiça continua. O papel de um diplomata é defender os brasileiros onde estiverem, sem entrar no mérito, mas prestar assistência”, assinalou Carreiro.
Luiza salientou a importância de que todos participem no combate à violência contra a mulher e disse ser inaceitável que, a cada seis minutos, uma mulher ou criança seja estuprada no Brasil. “É muito importante na pauta feminina que os homens participem mais. Hoje, li que entrou em vigor a lei, sancionada pelo presidente Lula, que eleva para 40 anos a pena para o crime de feminicídio. Não sei se ficará 40 anos, porque nunca fica. Mas isso é muito importante”, frisou. “Dizem que pena mais alta não resolve, mas resolve sim”, completou o embaixador.
Outro aspecto discutido no encontro foi a questão do empreendedorismo feminino. Foi explicado que a embaixada do Brasil apoia um grupo de mulheres empreendedoras de língua portuguesa com reuniões regulares para intercâmbio e troca de experiências. “No Brasil, 62% das mulheres são mães solo, com um filho ou mais. Essas famílias são mantidas por essas mulheres. Das mais simples a dirigentes de empresas. São as donas da casa e da sua família”, enfatizou Luiza.
A ativista participa nessa sexta-feira (11/10) de um almoço com mulheres empreendedoras e, no sábado, faz uma palestra no Hotel Mundial em Lisboa, às 14h30 com o tema O Combate à Violência de Gênero e a Defesa dos Direitos das Mulheres. Após o encontro na Embaixada do Brasil, Luiza conversou com exclusividade com o PÚBLICO Brasil.
Como está sendo esse périplo pela Europa para falar da violência contra a mulher?
Geralmente, tenho ido aos consulados brasileiros e participado de eventos promovidos para a comunidade feminina. É importante passarmos informações sobre os direitos dessas mulheres imigrantes. Muitas vezes, sofrem violência e têm vergonha de entrar no consulado. Acham que não têm uma roupa boa para ir ao consulado. Isso acaba impedindo que resolver os problemas. É muito importante informar que o consulado brasileiro é a casa das mulheres. Que o embaixador é o pai da nossa comunidade brasileira. O medo de algumas mulheres que sofrem violência no exterior é de ir à embaixada e verificarem que não estão legais no país e serem deportadas. É o contrário. A embaixada vai orientar para que façam o seu processo de legalização. É importante que denunciem, nas delegacias de onde vivem, a violência que sofreram, que apresentar esse protocolo na embaixada, que vai chancelar que elas estão falando a verdade. A partir daí, todas serão acolhidas de uma forma muito especial e vão escolher o que querem fazer: permanecerem no país com a situação legalizada ou voltarem para o Brasil.
Como organiza uma agenda tão extensa de viagens?
Para as minhas agendas na Europa, por exemplo, tenho uma parceira de trabalho que se chama Vanessa Lapolli, que vive há 25 anos na Itália. Ela tem uma qualidade excepcional, porque, além de ser jornalista, é uma mulher que entende da pauta feminina. Já passou por violência. Estar com ela é muito agregador. É uma mulher que confio, porque é uma ativista que trabalha pelos direitos da mulher. Ela consegue organizar uma série de palestras na Europa. Nós vamos a vários lugares para fazer essas rodas de conversas e conhecer abrigos. Ela consegue fazer uma agenda muito organizada.
Falta legislação em muitos países para a proteção das mulheres?
Creio que o Brasil é um país que tem uma justiça excepcional, digitalizada. Os nossos gestores entenderam que precisam estar mais amigos da sociedade feminina. Nós somos a força motriz que rege o país na questão do empreendedorismo. É importante dar para essas mulheres a Justiça que elas precisam. Leis como a Maria da Penha precisam ser divulgadas em outros países. Estamos aqui hoje propondo um acordo para que a embaixada do Brasil em Portugal possa assimilar o termo de responsabilidade social do sinal vermelho, uma política pública criada pela Renata Gil, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em conjunto com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Antônio Dias Toffoli. É uma lei muito importante de proteção da mulher, e temos implementado isso em alguns consulados brasileiros. Há países como a Espanha, a própria Itália, a Alemanha, que não têm uma política de cuidado com a questão da violência de gênero. A Espanha tem um pouco, mas não é como o Brasil. O Brasil realmente é exemplar.
Como funciona o Sinal Vermelho? Como é essa campanha?
A campanha começou em plena pandemia de covid-19, em 2020, quando estávamos em confinamento. A violência contra as mulheres aumentou, e muitas foram assassinadas. Houve também questões de violência sexual contra as crianças, um momento muito agudo de privação, e isso impressionou a sociedade. A Renata Gil acabou criando um sinal vermelho, que é um X na mão. As farmácias começaram a ser certificadas para reconhecer essa vítima. Ela vinha silenciosamente, abria a mão e mostrava o sinal vermelho e fechava a mão imediatamente. A atendente reconhecia que ela estava pedindo ajuda e, sem falar nada, a levava para um quartinho, como se estivesse passando mal. Muitas vezes, estava com o marido, ele ficava desconfiado. A seguir, ligavam para a Polícia Civil e chegava um policial e levava esse homem para ser investigado e criminalizado pelo crime. Foi um momento muito importante para que as mulheres tivessem proteção. Todo o Brasil abarcou a campanha nas farmácias. Depois, em outros lugares onde as mulheres andam, como os supermercados. Recentemente, se fez uma parceria com os jogos de futebol, nos estádios. Em dia de jogo, a violência contra a mulher aumenta 25%. Se o time perde, o agressor bate na mulher, se ganha, bate também, porque ele bebeu, está feliz ou está triste. Então, foi feita uma parceria com a CBF, que foi muito importante.
Você também esteve na FIFA há poucos dias
Estive fazendo uma palestra no Museu da FIFA, em Zurique. Para mim, foi uma quebra de paradigma, porque sabemos que os nossos jogadores de futebol são um exemplo para a juventude masculina e feminina. É o esporte mais visto no mundo. Com uma disparidade econômica absurda entre os jogadores homens e as mulheres. Os jogadores influenciam muito as crianças. Elas escutam e repetem o que eles dizem. Quando acontece violências, como tem acontecido com alguns jogadores, isso influencia nas escolhas dos meninos, na questão do tratamento com as mulheres. Falei sobre isso abertamente em um espaço tão masculino que é FIFA, para os investidores e dirigentes, para que prestem atenção e valorizem os jogadores por eles serem excelentes homens e excelentes profissionais e não promoverem os que cometem abuso contra as mulheres.
Como você entrou nessa luta?
Desde muito pequena, sempre fui uma menina que me preocupava com questões sociais. Venho de uma família muito humilde, o meu pai era lavrador e a minha mãe, dona de casa. Meu pai tinha problemas mentais, era alcoólatra, um homem muito agressivo. Vivia a violência em casa. Estava sempre tentando proteger meu pai e minha mãe, de certa forma, e me colocava na frente deles. Ao longo do tempo, acabei sofrendo violência, como falei na embaixada. Uma violação sexual com 11 anos de idade. Nos empregos que tive, sempre fui molestada pelos patrões. Era uma mulher grande e bonita. Eu me casei com 16 anos para sair de casa e ser a gestora financeira da minha família, que era muito pobre. Graças a Deus, consegui ter uma carreira exemplar como modelo. Tive um casamento de 25 anos e dois filhos maravilhosos. No meu terceiro relacionamento, sofri uma violência durante o tempo em que estive com ele. Precisei me posicionar em um determinado momento quando sofri violência. Tive quatro costelas fraturadas, além da violência moral, da violência psicológica e tudo mais. Decidi me tornar uma mulher que luta pelos direitos das mulheres.
Foi uma virada na sua vida?
Reconheço que, de lá para cá, ganhei uma notoriedade muito grande no Brasil como referência de mulher que luta pelos direitos das mulheres. Ando em lugares que nunca pensei estar, como STF, CNJ, STJ e Ministério Público. Uso a minha fala e a minha potência para contribuir com a sociedade para que seja mais igualitária, mais justa e mais respeitosa.
É importante falar disso de forma franca.
Sim, pois a violência doméstica é a maior democracia. Mulheres no mundo inteiro sofrem violência. Umas, por violências culturais, como nos países árabes, que são violências agudas. Temos o exemplo de uma das maiores ativistas da educação, a Malala, que sofreu uma tentativa de feminicídio, com um tiro no rosto, porque queria estudar. Ela exigiu uma caneta e um caderno para mudar de vida e quase foi morta por essa atitude. Felizmente, o mundo ouviu essa mulher, abraçou essa mulher, ela ganhou o Prêmio Nobel da Paz. É uma mulher que luta pelos direitos da educação, que é fundamental no Brasil e no mundo inteiro. As mulheres precisam contar suas histórias. Contando suas histórias, conseguimos nos reconhecer dentro da história dela.
O que dizer mais às mulheres?
Precisamos dizer para as mulheres que elas precisam buscar a Justiça. A Justiça existe, mas não bate na porta. Volto a dizer: a violência contra a mulher e contra as crianças no mundo inteiro é democrática, está presente em todos os povos e classes sociais. É muito importante a mulher ser independente financeiramente. Mas isso não impede que uma mulher com autonomia financeira, como eu, por exemplo, não sofra violência doméstica. Somos sobreviventes.