Crise da habitação. Será que enlouqueceram?

Carlos Moedas augurou aprovar (com a abstenção sórdida do PS), nada mais nada menos que a demolição de um quarteirão em Arroios para… isso mesmo: para construir um hotel!

Ouça este artigo
00:00
02:19

Portugal continua irresponsavelmente a queixar-se, num dia, dos seus problemas de habitação para, no dia seguinte, fortalecer as políticas que acabara de criticar – outro exemplo (como se precisássemos!) de Dr. Jekyll and Mr. Hyde.

Atentemos nas doutas palavras Carlos Moedas, que em 27/07/2023 considerou a habitação em Lisboa um “gravíssimo problema”, ou nas igualmente sábias opiniões de Filipa Roseta, vereadora da habitação, a qual, aquando da aprovação da Carta Municipal da Habitação a 20/10/2023, revelou a ambição de “construção pública [de habitação] só igualada pelo Plano Especial de Relocalização lançado há 30 anos,” e de incentivar a “oferta privada de habitação acessível”.

Presumir-se-ia, portanto, que a capital havia finalmente enveredado por uma política um pouco mais inteligente, rompendo com o hábito de entregar a cidade aos turistas e "investidores" (que bela raça!) mandando os lisboetas àquela parte. Efectivamente, a renda média de 1700 euros não é propriamente consentânea com um salário médio bruto, no distrito, de 1440 euros. Mas os meus 46 anos ensinaram-me a ler anúncios públicos virtuosos com um misto de esperança e prudência. E eis que não me enganei!

Foi precisamente no meu aniversário que o PÚBLICO noticiou o rasgar (implícito) da belíssima Carta de Habitação, pois Carlos Moedas augurou aprovar (com a abstenção sórdida do PS), nada mais nada menos que a demolição de um quarteirão em Arroios para… isso mesmo: para construir um hotel! Dêmo-nos por satisfeitos, porque podia ser bem pior. Afinal de contas vão conservar três painéis de azulejos e a Direcção-geral do Património Cultural não se opôs à operação (caso ainda não tenham percebido, independentemente do que venha escrito no Diário da República, a regra em Portugal é a de que se pode destruir tudo aquilo que não tem de ser estritamente preservado).

Pouco importa que haja défice de habitação, excesso de hotéis e alojamento locais, emigração escandalosa, ou que as lojas históricas encerrem a eito. E quem se rala pelo facto de Lisboa se aproximar a passos acelerados de uma Disneylândia gentrificada? Recordar a Carta Municipal de Habitação, os seus objectivos meritórios e as declarações eruditas dos políticos locais não pode senão provocar gargalhadas sonoras como as de Randle McMurphy em Voando sobre um Ninho de Cucos. Terão enlouquecido?

<_o3a_p>

Sugerir correcção
Comentar