América Latina e Caraíbas tiveram um declínio de 95% da vida selvagem em 50 anos

O planeta testemunhou o declínio de 73% das populações de animais selvagens em apenas meio século, revela relatório da WWF. Documento critica investimento na barragem de Pisão, financiado pelo PRR.

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Onça-pintada tenta escapar ao fumo durante vaga de incêndios no Pantanal, Mato Grosso, Brasil, em 2020 AMANDA PEROBELLI / REUTERS
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Em apenas meio século, o planeta testemunhou um declínio de 73% da dimensão média das populações de animais selvagens, revela o relatório Planeta Vivo 2024 da World Wildlife Fund (WWF), divulgado esta quinta-feira. As regiões da Terra que sofreram maior impacto foram a América Latina e as Caraíbas, onde a queda registada entre 1970 e 2020 foi de 95%.

“Não é um exagero dizer que o que acontecer nos próximos cinco anos, entre hoje e 2030, vai determinar o futuro da vida na Terra”, disse Kirsten Schuijt, directora da WWF Internacional, na conferência de imprensa de apresentação do relatório.

O declínio do tamanho médio das populações de vida selvagem deve-se, nesta ordem, à perda ou degradação do habitat (sobretudo desflorestação para uso agrícola), exploração exagerada de recursos, introdução de espécies invasoras, consequências das alterações climáticas e poluição.

Para reverter esta crise da biodiversidade, são necessárias mudanças socioeconómicas profundas que vão além de estratégias locais de conservação da fauna e da flora. “Se quisermos ter sucesso, temos de transformar os nossos sistemas energético, financeiro e alimentar de uma forma que seja justa e inclusiva”, afirmou Daudi Sumba, director da WWF para a conservação.

A região da Europa e da Ásia Central apresenta o menor decréscimo global no período estudado no relatório (35%), seguida da América do Norte (39%). “Isto não significa que a natureza está em melhor estado nessas regiões, longe disso. Na verdade, os impactos ocorreram ali historicamente mais cedo”, refere Andrew Perry, porta-voz da Zoological Society of London, entidade responsável pela elaboração do Índice Planeta Vivo.

O Índice Planeta Vivo é um inventário que avalia, desde 1970, a evolução das populações de vida selvagem na Terra, incluindo 5495 espécies de vertebrados. “Estamos sempre a adicionar novos estudos populacionais ao nosso banco de dados, o que faz dele o mais completo conjunto de dados do mundo”, afirmou Andrew Perry na conferência de imprensa.

Alguns exemplos de pontos sem retrocesso

O relatório da WWF, que já vai na 15.ª edição, recebeu este ano um título que indica o momento de fragilidade que a biodiversidade atravessa: Um sistema em perigo. Há diferentes exemplos de ecossistemas que estão a aproximar-se de pontos sem retrocesso possível, e a Amazónia é um deles. Os recentes incêndios na floresta tropical brasileira só vieram agravar um cenário que já era preocupante.

“Não é coincidência que o Índice Planeta Vivo tenha identificado que a América Latina testemunhou a maior taxa de declínio da população de vida selvagem do que qualquer outra região desde 1970”, comentou Sandra Valenzuela, da WWF Colômbia. Mas há esperança: “A boa notícia é que podemos evitar este ponto sem retrocesso, se actuarmos agora.”

Outro exemplo preocupante é o da Grande Barreira de Coral na Austrália, que sofreu sete episódios de branqueamento em massa, em que cinco deles tiveram lugar nos últimos oito anos. Causado pelo stress térmico, o branqueamento dos corais ocorre quando estes animais expulsam as algas coloridas que vivem nos seus tecidos. Sem estas algas “amigas”, os corais tornam-se pálidos e frágeis.

“É disso que estamos a falar quando falamos em alcançar um ponto sem retrocesso: áreas que pensávamos ser resilientes estão agora a tornar-se frágeis face a mudanças sem precedentes”, afirmou Rebecca Shaw, co-autora do relatório.

E os riscos em Portugal?

A edição em português do relatório da WWF, que ao nível nacional está articulada com a Associação Natureza Portugal (ANP), destaca os desafios do país para lidar com a crise do clima e da biodiversidade. O documento sublinha que a acção climática “continua aquém das metas” e reivindica “um plano concreto para eliminar todos os subsídios a combustíveis fósseis até 2030”.

“Faltam medidas mais ambiciosas para aumentar a capacidade de sumidouro natural, já que as projecções indicam que será difícil atingir a meta nacional de 13 megatoneladas para o sumidouro de dióxido de carbono no sector do uso dos solos em 2050 – essencial para o objectivo da neutralidade carbónica”, refere o documento.

O relatório sublinha que a Lei do Restauro da Natureza, diploma europeu agora em vigor, deve ser “apoiada por um plano nacional que identifique áreas e espécies prioritárias para recuperação, com financiamento adequado, público e privado”. E expressa ainda preocupação com a manutenção de barragens fluviais obsoletas e discordância com o investimento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na barragem de Pisão, que, para a organização ambientalista, “irá destruir biodiversidade e impulsionar um modelo agrícola desadequado e insustentável”.

A WWF-ANP reivindica, por fim, que a expansão das renováveis offshore (ou seja, em alto mar) resulte de um processo “criterioso”, “participativo” e “baseado na melhor ciência disponível”, para acautelar possíveis impactos nos ecossistemas marinhos.