Perguntas “sopradas” ao auricular? Jornalistas criticam declarações de Montenegro

Primeiro-ministro criticou recurso de jornalistas a auriculares ou à leitura do telemóvel para fazer perguntas.

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O primeiro-ministro, Luís Montenegro (D), ladeado pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte (E), à chegada para a sessão de abertura da conferência \O futuro dos media\, que abordará temas desde a sustentabilidade financeira do setor até ao serviço público, em Lisboa, 08 de outubro de 2024. ANT??NIO PEDRO SANTOS/LUSA ANTONIO PEDRO SANTOS / LUSA
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“Uma das coisas que mais me impressiona hoje, quero dizer-vos olhos nos olhos, é estar com seis ou sete câmaras à minha frente e ter jornalistas a fazerem-me perguntas sobre determinado tema, e ver que a maior parte deles tem um auricular no qual lhe estão a 'soprar' a pergunta que devem fazer. E outros, à minha frente, pegam no telefone e fazem a pergunta que já estava previamente feita. Eu, como agente político e cidadão, olho para este quadro e digo que os senhores jornalistas não estão a valorizar a sua própria profissão”, declarou esta terça-feira o primeiro-ministro.

Luís Montenegro defendeu o papel e importância da comunicação social no papel da Democracia, mas, no discurso que abriu a conferência O Futuro dos Media, que decorreu em Lisboa, o primeiro-ministro fez alguns reparos ao trabalho dos jornalistas. Considerando que deve ser exigida isenção e competência aos detentores de cargos públicos, o primeiro-ministro diz que essas mesmas normais devem ser seguidas pelos profissionais da comunicação social.

No entanto, os termos utilizados pelo primeiro-ministro foram alvo de crítica. Carlos Rodrigues, director-geral editorial da Medialivre, foi um dos que criticou as palavras de Montenegro. “Um jornalista que tem um auricular não é necessariamente um atrasado mental. Senão todos os pivots de televisão eram atrasados mentais”, afirmou, citado pela CNN, estação responsável pela transmissão do evento.

Já Pedro Leal, director de informação Grupo Renascença, lamentou que as afirmações de Montenegro acabem por desviar as atenções de outros temas discutidos esta terça-feira. "O que sai desta conferência? A notícia sobre a RTP já saiu de manhã e agora é o auricular. O que sai daqui é o auricular? Isso eu não posso permitir", afirmou.

Alvo de crítica foi também a referência de Montenegro a "uma comunicação social mais tranquila" e "menos ofegante". O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas já veio responder e defender que o sector “é intranquilo porque questiona, interroga, investiga, reflecte, relata, comunica e interage com os destinatários”.

“Quem escolheu esta profissão tem disponibilidade e dedicação aos deveres do jornalismo, e o termo ‘ofegante’ – usado pelo senhor primeiro-ministro – não retrata o importante contributo desta classe profissional para a construção do Portugal democrático, nos últimos 50 anos”, frisou o Conselho Deontológico do sindicato, em comunicado.

“Se a reflexão e a serenidade são aliadas do jornalismo, a intranquilidade e a urgência também o são, e foram determinantes para muitos exercerem esta profissão no tempo da ditadura do Estado Novo”, sublinhou o Conselho Deontológico.

O ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, já veio esclarecer que estas afirmações devem ser interpretadas “no sentido positivo” da valorização destes profissionais.

O Governo anunciou esta terça-feira um plano de apoio à comunicação social com quatro eixos estratégicos: regulação do sector, serviço público concessionado, incentivos ao sector e, por último, o eixo do combate à desinformação e promoção da literacia mediática. Pedro Duarte diz não existir "uma varinha mágica" para resolver "o problema estrutural dos media", mas considera que as políticas públicas apresentadas vão ter certamente um impacto positivo no sector.

Uma das medidas destacadas pelo Governo prende-se com a oferta de assinaturas digitais a alunos do Ensino Secundário. Os cerca de 400 mil estudantes nesta condição podem, nos próximos dois anos, adquirir a assinatura de um órgão de comunicação social gratuitamente. O resto da população pode fazer o mesmo com 50% de desconto – o Estado assegura junto das empresas o valor do desconto. A lista de ofertas será limitada aos órgãos de comunicação social que aceitarem fazer parte deste sistema.

Na apresentação de 38 páginas publicada no site do Governo, constam ainda apoios à distribuição de publicações periódicas, uma maior protecção dos jornalistas contra ameaças e coacção no mundo digital e ainda a realização de um estudo de mercado sobre o mercado e os diferentes órgãos de comunicação social. O impacto das medidas será avaliado ao longo do tempo, com a hipótese de ajuste a certos pontos ou até a introdução de novas alíneas no plano apresentado esta terça-feira. com Lusa

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