Tem plásticos pretos em casa? Podem ser uma fonte de exposição a substâncias tóxicas

Substâncias associadas a uma série de riscos para a saúde foram detectadas em 17 dos 20 produtos domésticos de plástico preto. Podem estar num tabuleiro de sushi, em missangas e até em brinquedos.

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Utensílios de cozinha de plástico preto podem conter químicos nocivos Grace Cary/GettyImages
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Da próxima vez que quiser comprar uma refeição rápida no supermercado, talvez tenha de repensar aquele apetitoso tabuleiro de sushi. E, se decidir cozinhar em casa, talvez seja preciso ter cuidado com os utensílios de cozinha de plástico que usa. Um novo estudo revisto por pares levanta algumas preocupações em relação ao facto de o plástico reciclado (que contém retardadores de chamas, inicialmente utilizado em produtos electrónicos) estar a ser reutilizado no fabrico de uma variedade de produtos de consumo, expondo potencialmente as pessoas a níveis elevados de substâncias químicas cancerígenas e desreguladoras das hormonas.

Estes compostos químicos, que têm sido associados a uma série de riscos para a saúde, foram detectados em 17 dos 20 produtos domésticos de plástico preto testados pelos investigadores, de acordo com o estudo publicado na Chemosphere e elaborado pela Toxic-Free Future, um grupo de investigação e defesa da saúde ambiental, e pela Vrije Universiteit Amsterdam.

Os níveis mais elevados foram encontrados em tabuleiros de sushi, colares de missangas e utensílios de cozinha, de acordo com o estudo. Também foram detectados níveis elevados em jogos de viagem, brinquedos e outros produtos.

O que é que os consumidores podem fazer?

Eis algumas medidas simples que, segundo os autores do estudo, podem ajudar a reduzir os riscos de exposição a estes químicos.

  • Substituir os utensílios de cozinha de plástico preto por opções de aço inoxidável.
  • Escolher artigos sem plástico para reduzir a exposição global a aditivos nocivos.
  • Comprar produtos de empresas que tenham políticas fortes contra a presença de químicos tóxicos nos seus produtos.
  • Limpar e ventilar regularmente os ambientes para eliminar quaisquer retardadores de chama que se possam ter acumulado no ar. 
  • Remover o pó e passar uma esfregona húmida com frequência também pode ajudar a eliminar contaminantes 

“Estamos a ser expostos de várias formas diferentes”, disse Megan Liu, gestora de ciência da Toxic-Free Future e co-autora do estudo. “Não só a nossa comida está a ser exposta porque os retardadores de chama não estão ligados aos polímeros a que são adicionados, como ainda podem lixiviar e contaminar o pó e o ar das nossas casas”, acrescentou a responsável.

Embora os investigadores não tenham conseguido estabelecer uma associação entre os níveis de exposição nos produtos testados e problemas de saúde específicos, os cientistas afirmaram que a presença destes compostos químicos por si só já é problemática. “Todos estes níveis são considerados preocupantes porque se trata de produtos com os quais estamos a cozinhar, com os quais a nossa comida está em contacto ou com os quais os nossos filhos brincam”, afirmou Liu.

Os retardadores de chama constituem uma classe de químicos adicionados aos produtos para os tornar mais resistentes ao fogo. Historicamente, têm sido adicionados a produtos como invólucros de televisores e outras caixas de produtos electrónicos. Agora, os investigadores estão preocupados com o facto de, quando estes artigos são reciclados, parte do plástico contaminado ser reutilizado em produtos domésticos e em embalagens alimentares.

Ramaswamy Nagarajan, professor do departamento de engenharia de plásticos da Universidade de Massachusetts Lowell, que não esteve envolvido no estudo, disse que estes resultados são um lembrete de que os produtos químicos utilizados há muito tempo ainda podem estar presentes em novos produtos. “É lamentável que os tenhamos usado durante muito tempo e, claro, quando os materiais forem reciclados, provavelmente lá estarão”, disse Nagarajan, que investigou retardadores de chama durante mais de uma década.

A Aliança Norte-Americana de Retardadores de Chama do Conselho Americano de Química, que representa a indústria, disse que, embora o estudo suscite preocupações sobre a presença desta classe de substâncias em artigos domésticos, “os fabricantes realizam pesquisas rigorosas e avaliações de risco para garantir que os retardadores de chama não representam riscos significativos para a saúde dos consumidores”.

“É também de salientar que o relatório afirma os riscos potenciais para a saúde dos retardadores de chama com base apenas no perigo e não tem em conta o risco nos níveis de exposição ou nas vias de exposição”, afirmou Erich Shea, porta-voz da Aliança Norte-Americana de Retardadores de Chama, num comunicado.

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Um simples tabuleiro de sushi pode conter substâncias que são um risco para a saúde Olena Malik/GettyImages

A Agência de Protecção do Ambiente dos EUA já estabeleceu que alguns retardadores de chama são persistentes e tóxicos para os seres humanos e para o ambiente. A persistência destes compostos dificulta a decomposição dos produtos químicos no ambiente, segundo a agência.

Esta classe de produtos químicos nocivos tem sido associada a perturbações endócrinas, problemas de tiróide, complicações do sistema reprodutivo, neurotoxicidade e cancros. Nas crianças, a exposição tem sido associada a défices de atenção, a falta de capacidades motoras e a atrasos no desenvolvimento cognitivo.

Nagarajan afirmou que mesmo as concentrações em pequenas doses de retardadores de chama podem ser tóxicas. “A relação entre dose e toxicidade pode, por vezes, não ser linear e mesmo pequenas concentrações podem ser bastante prejudiciais”, afirmou Nagarajan.

O aquecimento de utensílios de cozinha de plástico pode provocar a lixiviação de retardadores de chama para os alimentos, afirmou Liu. O facto de as crianças chuparem em brinquedos infantis pode provocar a lixiviação dos retardadores para a saliva, afirmou.

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Dos vários produtos analisados pelos investigadores, as missangas usadas para colares e pulseiras tinham dos niveis mais elevados de retardadores de chamas Elizabeth Fernandez/ GettyImages

Para realizar o estudo, os investigadores analisaram a presença de bromo, um químico usado para retardadores de chama bromados (encontrado em plásticos, têxteis, equipamentos electrónicos, entre outros produtos) em 203 produtos domésticos de plástico preto vendidos em todo o país. De seguida, escolheram 20 produtos com os níveis mais elevados de bromo para testar a presença de retardadores de chama.

O limite da União Europeia para um determinado tipo de retardador de chama bromado é de 10 miligramas por quilograma – esse retardador de chama específico é proibido nos Estados Unidos.

Aproximadamente 17 dos produtos tinham retardadores de chama com níveis que variavam entre 40 e 22.800 miligramas por quilograma. Desses, 14 produtos continham o retardador de chama bromado específico proibido nos Estados Unidos, com níveis entre 5 e 1200 vezes superiores aos limites da União Europeia.

As concentrações eram mais elevadas nas missangas de fantasia. Também encontraram níveis elevados de retardadores de chama proibidos em todo o país em tabuleiros de sushi. Os investigadores encontraram até nove retardadores de chama diferentes de uma só vez em alguns dos produtos.

Os retardadores de chama – que se encontram em áreas como as carcaças de televisores, computadores portáteis e cabos – acabam em artigos domésticos que não necessitam de retardamento de chama.

Durante anos, funcionários e empresas trabalharam para reduzir o uso de retardadores de chama em produtos como móveis. Em 2017, a Comissão de Segurança dos Produtos de Consumo votou a favor do início de um processo de regulamentação contra alguns retardadores de chama encontrados em produtos de espuma e electrónicos, instando os fabricantes a remover os compostos químicos dos produtos e os retalhistas a garantir que os produtos que vendem não contêm retardadores de chama. Mas isso não parece ter resultado no final das contas.

Alguns estados norte-americanos, incluindo Washington, Nova Iorque e Califórnia, decidiram restringir a utilização de retardadores de chama em produtos electrónicos de interior. Desde 2006, a União Europeia tem trabalhado no sentido de proibir ou restringir fortemente a utilização de diferentes retardadores de chama.

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Brinquedos também podem ser uma fonte de contaminação Emilija Manevska/GettyImages

“Falta-nos regulamentação que proíba os produtos químicos mais nocivos nos materiais”, afirmou Liu. Para a co-autora do estudo, é necessária uma legislação federal forte para restringir a utilização de compostos químicos perigosos nos produtos. Sem regulamentação, os fabricantes “continuarão a usar esses aditivos tóxicos e os produtos plásticos que eles criam”.

Mas a Aliança Norte-Americana que representa o sector acredita que os esforços para restringir os retardadores de chama seriam um desvio da “melhor ciência disponível”.

Nagarajan disse que o estudo pode tornar as pessoas cépticas em relação aos produtos que contêm material reciclado. “Provavelmente dirão: 'Bem, acho que tem conteúdo reciclado, o que é bom para o ambiente, mas também não sabemos o que mais vem com ele.'”

Investigadores e especialistas afirmam que a presença de plástico tóxico nos produtos pode ser o resultado de uma má gestão da reciclagem de resíduos electrónicos. Grande parte dos resíduos plásticos do país acaba em aterros sanitários, alguns deles são reciclados. No caso dos plásticos reciclados, não há garantias de que o plástico esteja isento de substâncias químicas nocivas. “Este é o resultado da reciclagem de plástico sujo”, afirmou Liu.

“Embora possamos tomar medidas para evitar a compra de artigos tóxicos e manter as nossas casas limpas, não podemos comprar uma solução para este problema. E o ónus não deve ser colocado nos consumidores”, afirmou Liu. Mas há algumas medidas que os consumidores podem tomar.