Um ano depois…

Após o massacre do 7 de Outubro, Israel não é nem será o mesmo: a credibilidade do governo e do exército está comprometida e cava-se cada vez mais o fosso entre a população ultra-ortodoxa e a secular.

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O que mudou? Tudo e nada: faz hoje um ano que a maioria dos reféns do “eixo de resistência” continuam, vivos ou mortos, nos túneis do Hamas e da Jihad islâmica, lembrados apenas pelos seus familiares e por parte da população israelita; o governo de Netanyahu mantém-se, reanimado agora com mais uma guerra, desta vez contra o Irão por intermédio do Hezbollah, o “rei” do Líbano. Até quando? Tal como a de Gaza, não sabemos.

Mas a verdade é que tudo mudou. Após o massacre do 7 de Outubro, Israel não é nem será o mesmo, a sua população também não será a mesma: a credibilidade das instituições, nomeadamente do governo e até do exército está comprometida e cava-se cada vez mais o fosso entre a população ultra-ortodoxa e a secular, ou seja, entre o messianismo radical, obtuso e retrógrado e o apego à democracia, à liberdade e à inovação por parte da população secular.

O descrédito deve-se em parte à resistência por parte de Netanyahu a criar uma comissão independente sobre a incompreensível passividade por parte do governo, assim como a inacção do exército, antes e no próprio 7 de Outubro, sobretudo quando hoje já se sabe que uns e outros foram previamente avisados de que algo se estava a preparar. E o descrédito deve-se também à ausência de apresentação de um plano esclarecedor sobre os objectivos do governo, em particular em Gaza.

Em contrapartida, a retaliação contra o Hezbollah era inevitável. Desde 8 de Outubro, o Hezbollah tem atacado diariamente o Norte de Israel, obrigando cerca de 66.000 pessoas a deslocarem-se das suas casas, entretanto muitas delas destruídas e tendo sido mortos mais de duas dezenas dos seus habitantes. Mais do que isso, segundo o exército israelita, logo uns dias depois do massacre do Hamas, milhares de terroristas do Hezbollah foram colocados, certamente a mando do Irão, perto da fronteira libanesa no Norte de Israel para tomar a Galileia de assalto, repetindo a carnificina do 7 de Outubro.

Há outra coisa que mudou ou, mais concretamente, que se exprime sem vergonha, ciente do aplauso de muita gente. Refiro-me à atitude de alguma comunicação social, nomeadamente de televisões, na qual prevalece demasiadas vezes, não a neutralidade obrigatória, mas uma tomada de posição clara por uma das partes do conflito, que naturalmente apresenta sempre sobre Israel como a parte “má”. Sabemos a importância que têm as imagens sobre as pessoas, e em relação a isso nada tenho a opor, apenas considero intolerável que se apresente apenas um lado da realidade. Foi assim rapidamente esquecida a orgia diabólica do 7 de Outubro, por parte de terroristas treinados e apetrechados pelo Hamas, tendo por trás a mão e o ódio do Irão.

Esquecido ou deliberadamente ignorado pela ONU foi também o crime do 7 de Outubro. Em Novembro do ano passado, no Dia Internacional da Mulher dedicado à eliminação da violência contra as mulheres, não houve a menor referência solidária às centenas de mulheres israelitas, vítimas de violência sexual da forma mais cruel e abjecta possível. A própria organização da ONU de defesa das mulheres nada fez. Na mesma onda, a Cruz Vermelha nunca se dignou a visitar os reféns, apesar dos seus 18.000 funcionários...

Para as Nações Unidas, o massacre do 7 de Outubro foi simplesmente apagado. A comprová-lo está o que se passou no dia 26 de Setembro deste ano, em que, na Assembleia Geral da ONU, as referências a Gaza mereceram fortes e inúmeros aplausos, enquanto o pogrom do 7 de Outubro teve direito a um silêncio estridente.

Já antes disso, a 21 de Agosto deste ano, na Jornada Internacional da Memória e Homenagem às vítimas do terrorismo, criada em 2017, as Nações Unidas acolheram uma exposição em Nova Iorque denominada Memórias. Segundo o jornal francês Le Fígaro, são evocados na exposição os atentados de 2005 na Jordânia, de 2013 em Boston, de 1998 em Nairobi, de 1991 em Madrid, de 2017 em Londres e de vários outros países, como a Noruega, Marrocos, Estados Unidos, etc… mas o pogrom do 7 de Outubro foi deliberadamente ignorado. Para a ONU não será bem visto criticar os terroristas islâmicos e ainda mais inconveniente considerar israelitas e judeus como vítimas…

Esta atitude é para mim inexplicável, tal como é o violento aumento do anti-semitismo, nomeadamente em países europeus que sofreram a ocupação nazi. Só em França foram contabilizados 3600 actos anti-semitas nas escolas nos anos de 2023/24, levando François Zimeray, ex-embaixador de França para os Direitos do Homem, a denunciar “o regozijo com o qual Israel é acusado de genocídio”. Por sua vez, e segundo o Times of Israel, na Alemanha foram registados 5164 actos anti-semitas apenas em 2023, “um tsunami de anti-semitismo, “um absurdo inquietante, tendo em conta que o 7 de Outubro foi o pior massacre depois da Shoah”. Mas talvez o mais inquietante seja a forma como as populações, sobretudo jovens, são manipuladas ideologicamente, aderindo às manifestações contra Israel nas ruas ou nas universidades, assumindo a causa palestiniana como sua, em grande parte na total ignorância do histórico do conflito.

A crítica a Israel é legítima como a qualquer outro país. Mas infelizmente, não constam críticas nem manifestações contra países como o Irão, o Iémen, a Coreia do Norte ou a Venezuela, entre muitos outros, para os quais a respectiva população está apenas ao serviço dos seus governantes, ou pior, como escudo humano. Em contrapartida, para muita gente, os judeus espalhados pelo mundo são coniventes com o que se passa em Israel, merecendo assim um tratamento igual, por vezes extremamente violento, de que o exemplo mais devastador são os EUA. Mas não só: há demasiados exemplos na Europa de sinagogas e centros judaicos atacados ou vandalizados e de judeus apanhados nas ruas e submetidos a actos violentos e ou humilhantes. Tudo isto é absolutamente inadmissível.

Termino, citando Herz Halevy, chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel que, em carta aos soldados, escreveu: “O 7 de Outubro não é apenas um dia de lembrança, mas um dia de profunda busca da alma, um dia em que falhámos na nossa missão de proteger os cidadãos de Israel. Temos de reconhecer os fracassos e aprender com eles”.

Conheço poucos países que fariam o mesmo…

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