Imigrantes confusos: sem NISS, não têm residência. Sem residência, não têm NISS

Muitos imigrantes acabam sendo enviados de um lado para o outro e não conseguem resolver o problema da documentação. Por causa disso, perdem empregos e não conseguem ter acesso à saúde.

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Imigrantes encontram uma barreira para obter o número de Segurança Social Fábio Teixeira
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A situação é comum a muitos imigrantes que tentam obter a sua legalização em Portugal, especialmente aqueles que entraram no país com visto de procura de trabalho. Quando conseguem o tão sonhado agendamento para obter a autorização de residência, esta é recusada pela falta do Número de Identificação da Segurança Social (NISS). E, quando tentam obter o registro na Segurança Social, ali pedem o Título de Residência para ser gerado um NISS.

É o caso de Janaína Alves Bezerra, 46 anos, de Jundiaí, que chegou em Portugal em agosto último. “Sou pedagoga, mas deixei a sala de aula. Trabalhava com vendas externas na Nestlé no Brasil. Em abril, contratamos uma assessoria que deu o suporte para que nós fizéssemos o visto de procura de trabalho, para mim e meu esposo”, lembra.

Conseguir o visto de procura de trabalho durou cerca de 100 dias. “Em abril, demos entrada nos documentos na VFS Global. O visto chegou faltando dez dias para o começo da viagem. Chegamos em Portugal em 12 de agosto”, relata Janaína.

No dia 30 do mesmo mês, ela e o marido conseguiram uma oferta de emprego perto de casa. “Batemos de porta em porta, conversamos com as pessoas e conseguimos trabalho com contrato numa empresa em Maceira, no distrito de Leiria, onde moramos”, conta.

Eles estavam dispostos a mudar de área. Ela conseguiu uma vaga de ajudante de produção. O marido, que, no Brasil, era torneiro mecânico, iria trabalhar na manutenção de máquinas — os dois, na mesma fábrica.

Foi no mesmo 30 de agosto que fizeram o primeiro pedido do NISS junto à Segurança Social. “Fomos no RH da empresa de recrutamento. Fizemos o pedido juntos. Veio a resposta de que a solicitação havia sido negada, mas sem justificativa. Tentei de novo e o motivo para a resposta negativa foi que faltavam documentos. Depois, alteraram o site da Segurança Social. Aí, recebi um e-mail de resposta pedindo a Autorização de Residência para emitir o NISS. Mas, para a Autorização de Residência, eu preciso de um contrato de trabalho válido e, para ter um contrato de trabalho válido, preciso do NISS”, reclama.

Além dos problemas, as queixas que apresenta incluem o atendimento nos balcões da Segurança Social. “Estive no posto de Leiria. Da primeira vez, fui muito mal atendida, a pessoa que me recebeu era muito mal-educada. E, cada vez que vou lá, eles falam uma coisa diferente”, observa.

Mais de um mês sem poder trabalhar, a brasileira não sabe o que fazer. “Estou desesperada. Temos compromissos financeiros, uma casa alugada, um pet para sustentar. Estamos gastando mais de R$ 5 mil por mês, quase mil euros. Na semana passada, recebi um telefonema da empresa dizendo que não podia mais segurar as nossas vagas de trabalho. Pedi pelo amor de Deus para darem um prazo até o dia 10 de outubro. Mas, se eu não conseguir o NISS, vamos perder o emprego”, lamenta.

Janaína já encara a possibilidade de ir embora de Portugal. “O dinheiro está acabando. Para não ficar numa situação de rua, talvez tenha que voltar para o Brasil”, vaticina. Ela conta que deixou seu país de origem por três razões básicas. “Viemos para Portugal, em primeiro lugar, pela segurança. Em segundo lugar, pela qualidade de vida. Lá, a gente trabalhava para pagar boleto. E, em terceiro, pelo desafio de uma profissão diferente. Estamos, eu e meu marido, à beira dos 50 anos. No Brasil, é muito complicado conseguir se encaixar no mercado de trabalho com essa idade”, diz.

Nem com português

A curitibana Fernanda Luíza Febalto, 30, que mora na Maia — cidade vizinha do Porto —, tem uma situação um pouco diferente, mas os problemas enfrentados são iguais. Ela veio acompanhada de André Alcântara, 31, que tem a nacionalidade portuguesa, mas nem a união civil de fato a ajudou a conseguir o NISS.

Quem conta é André: “Neste momento, Fernanda está trabalhando num restaurante como garçonete e o proprietário do restaurante, que é uma pessoa séria, prometeu fazer o pedido do NISS. Se não conseguir, ela pode perder o emprego. Até agora, o NISS não saiu.”

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Fernanda Febalto e André Alcântara deixaram Curitiba para morar em Portugal Arquivo pessoal

Fernanda e André chegaram em Portugal em 23 de agosto. “Eu, como tenho passaporte português, tenho NIF (Número de Identificação Fiscal, equivalente ao CPF no Brasil) e NISS, e estou mudando a carteira de motorista para dirigir um carro de aplicativo. Ela encontrou emprego em restaurante”, afirma.

André diz que a emigração para Portugal era um projeto antigo. “Estávamos planejando nos mudar para a Europa havia alguns anos. No Brasil, não tínhamos empregos ruins, nossa situação era até privilegiada. Eu era advogado e Fernanda trabalhava numa rede de lojas. Mas a qualidade de vida no Brasil é baixa”, relata.

Portugal não foi a primeira opção dos dois. “Primeiro, pensamos na Irlanda, que é economicamente muito atrativa. Mas, lá, alugar uma casa é muito caro, um absurdo. Sairia entre 1500 (R$ 9 mil) e 1800 euros (R$ 10,8 mil), e a gente ainda tinha que adiantar de quatro a cinco meses de aluguel como caução”, reclama.

Fernanda tem data agendada na Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para fevereiro. Segundo André, ela já conseguiu quase todos os documentos: o número de utente do sistema de saúde, um atestado da Junta de Freguesia. Falta o NISS, sem o qual o contrato de trabalho não é válido.

Alemã com problemas

Mesmo com uma nacionalidade europeia, além da brasileira, a pernambucana Adriana Wechter, 53, não consegue o NISS. Com passaporte alemão, ela mora em Matosinhos, ao lado da cidade do Porto, e precisa regularizar a situação em Portugal.

“Faço de Portugal a gestão do meu restaurante no Recife, o Malala, de alimentação saudável. Pedi o NISS quando cheguei, em abril. Era para escanear dois documentos juntos, mas fiz em separado e, quando introduzi um, o outro apagou. A resposta que veio é que faltava um documento”, detalha.

Adriana tentou corrigir, mas não conseguiu. “Mudaram as regras para a obtenção do número da Segurança Social. Eles pedem sempre mais documentos. Enviei, agora, o contrato social da minha empresa no Brasil. O pedido voltou, porque não tenho recibos verdes nem sou empregada”, acrescenta. Adriana está em Portugal por razões familiares. “Vim porque minha filha está estudando em Londres e aqui é mais perto”, diz.

Desigualdade

Segundo Clarissa Sobral, que trabalha com realocação, houve uma modificação na forma como a Segurança Social trata os pedidos de NISS. “Há cerca de dois ou três meses, houve uma alteração na forma como as coisas ocorrem. Antes, facilitavam bastante, com a atribuição do NISS na hora. Agora, quem tem que pedir o NISS é o empregador, que tem que entrar no portal da Segurança Social e fazer o pedido. O problema é que os patrões fazem o contrato de trabalho e, depois, não conseguem resposta por parte da Segurança Social”, conta.

Ela está com problemas com vários clientes que se mudaram para Portugal com empregos em empresas que exigem formação especializada, e uma das reclamações que tem é da falta de um tratamento igual para todos por parte da Segurança Social. “Tenho como cliente uma empresa tecnológica com três colaboradores para quem foi tentado obter o NISS por meio do portal da Segurança Social. O advogado, algumas vezes, ele consegue. Outras vezes, não”, acrescenta.

Ela diz que mesmo cidadãos da União Europeia, que deveriam ter livre circulação no bloco econômico, não conseguem resolver sua situação junto à Segurança Social. “Tenho o caso de um cidadão italiano que está há quatro meses esperando, desde antes da alteração legal”, afirma.

Melhorar procedimentos

Para o presidente da AIMA, Pedro Gaspar, é necessário clarificar as regras desse processo. “A única coisa que posso dizer é que estamos a fazer um esforço de clarificação procedimental das regras relativamente às situações pendentes, de afinação de procedimentos com vista à melhoria da situação existente”, disse ele ao PÚBLICO Brasil.

Questionado sobre a situação em concreto dos imigrantes que têm dificuldade em obter o NISS, ele não soube responder a esse problema em concreto. “Não consigo precisar de momento esta questão, mas registro no sentido de tentarmos clarificar. Há matérias que precisam ter os procedimentos melhorados”, acrescentou.

Procurado por telefone e por e-mail há uma semana, o Ministério do Trabalho, ao qual a Segurança Social está vinculada, não respondeu aos pedidos de esclarecimento.

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