Moedas ainda não percebeu que foi eleito presidente da câmara

As pessoas de Lisboa começam a estar cansadas de tanta inação.

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Carlos Moedas faz lembrar aquele menino que, na escola, faz pela calada traquinices e, quando descoberto, choraminga, apontando para o lado: “Não fui eu, 'sotora', foi aquele menino.”

Perante qualquer situação que corra mal, é incapaz de assumir quaisquer responsabilidades. Há dificuldades financeiras na Câmara de Lisboa? A culpa é dos malvados da oposição (que lhe viabilizaram três orçamentos). Há insegurança? A culpa é deste Governo e dos anteriores, da PSP e da “antiga polícia municipal”. Há problemas com o lixo? A culpa é das Juntas, dos trabalhadores, da Reforma Administrativa, de António Costa e já só falta responsabilizar Sampaio ou Abecassis. Há indignação com os painéis publicitários? A culpa é de Medina (apesar de o contrato ter sido assinado pelo seu vereador Diogo Moura). Tem sido sempre assim.

Moedas é um exímio “vendedor de ilusões”. Não tendo obra, tem vindo habilmente a assumir a paternidade de algumas que já estavam em curso. Apropriou-se do Plano de Drenagem e conseguiu o milagre de cavar túneis um ano após ter sido eleito. Nunca referiu que herdou um projeto, um financiamento, que as expropriações já tinham sido feitas, que já se tinham construído bacias de retenção e finge não saber que para cavar os túneis teve de haver um concurso público internacional. Só nisto estão mais de seis anos de trabalho. Quem pode acreditar no que diz? Para não relembrar que o financiamento foi garantido através de um empréstimo que mereceu o voto contra do PSD. Em relação à habitação, o processo propagandístico é o mesmo. Entregou – e muito bem – chaves de casas que estavam em obras e que foram concluídas no seu mandato, mas a impressão que procura transmitir é que antes dele havia apenas um vazio.

Carlos Moedas não se comporta assim por mero acaso. Foi a forma que encontrou para disfarçar a sua enorme incapacidade de tomar decisões, sobretudo as difíceis – porque quem governa, confronta-se inevitavelmente com elas. Já não vale a pena falarmos do escandaloso – porque ludibriou o seu eleitorado – processo da ciclovia da Almirante Reis, assim resumido: fingiu que fez, mas não fez e todos lhe bateram palmas.

Na mobilidade, o paradigma é o mesmo. Quer menos carros, mas não proíbe, recomenda. Afirma que os lisboetas estacionam sem penalização na cidade, mas instrui a EMEL a multar e bloquear logo ao despontar do dia. Põe e tira ciclovias. É incapaz de disciplinar a circulação e estacionamento dos tuk-tuk, ao mesmo tempo que as trotinetas regressam em força.

Quanto à habitação, e para além do número da entrega de chaves, nada consta a não ser o anúncio de 800 milhões para construção, verbas do PRR que o Governo de António Costa negociou e lhe entregou. Diz que é pelo direito à habitação, mas frequenta as manifestações de apoio ao alojamento local, nas mãos dos fundos imobiliários.

O objetivo é desviar as atenções da realidade: Lisboa está muito pior na qualidade de vida, no direito ao descanso e na defesa dos seus traços identitários. Temos mais turismo de massas, mais ruído e desregulação das atividades comerciais, mais vandalismo e menos cuidado no espaço público. Moedas vende a ilusão da felicidade e a impressão que tudo está muito bem ou que, como diria Pangloss, “tudo vai pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis”.

Insensível às montanhas de lixo que se acumulam pelas ruas, oferece-nos a redundância de uma polícia municipal para “prender pessoas”. Antes disso, o mais assertivo seria que esta polícia fiscalizasse quem não cumpre as regras de deposição de resíduos, ou o insuportável ruído noturno. Ou policiasse o mau uso do espaço público, o consumo de drogas na rua… Simulando que se preocupa com os sem-abrigo, inventa um único espaço na cidade, o tal hotel social de 29 lugares na Mouraria, para livrar as outras freguesias de receberem este pesado encargo. As últimas estimativas apontavam para mais de 7 mil pessoas. Que tal uma rede social nas 24 freguesias?

Esta incapacidade de administrar o dia-a-dia dos lisboetas pode levar-nos a admitir que, no seu subconsciente, Moedas ainda não sabe que é presidente da Câmara. Ignora que um presidente de câmara não pode ter medo de decidir, mesmo que contra a corrente, mesmo que arriscando a popularidade momentânea. Defende-se com a ideia dos “malandros da oposição”, quando a maior parte das medidas que afetam diariamente as pessoas não necessitam do aval da oposição. Medidas na higiene urbana, na fiscalização, na iluminação, na mobilidade e mesmo na área social são atribuições do executivo.

As pessoas de Lisboa começam a estar cansadas de tanta inação. De tanto fingimento. A relembrar os versos de Pessoa, Moedas “chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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