Regime sírio persegue refugiados que regressam em fuga da guerra no Líbano

Discriminados no Líbano e acossados na Síria, os refugiados sírios não sabem o que fazer. Já houve centenas a dormir na fronteira por não terem 100 dólares para reentrar no seu país.

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Refugiados sírios que fugiram do Sul do Líbano dormem num parque de estacionamento em Sidon Aziz Taher / REUTERS
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Os sírios que fugiram para o Líbano e agora fogem de regresso à Síria não têm como saber o que os espera. A maioria dos refugiados que vivem no território libanês não põe a hipótese de pisar a fronteira: o medo do regime que os fez fugir é maior do que o pânico de voltar a estar debaixo de bombas. Entre os que têm regressado, já há registo de detenções, em alguns casos para integração forçada no Exército. Os que continuam no Líbano, mas foram deslocados pelos ataques de Israel, ficam à porta dos abrigos oficiais, “só para libaneses”.

Bastaram poucos dias para a guerra no Líbano provocar 1,2 milhões de deslocados. É quase um quarto de uma população de 5,8 milhões. Mas é menos do que os 1,5 milhões de refugiados sírios que se estima viverem há mais de uma década no pequeno país. Entre os que fogem dos bombardeamentos, muitos são sírios que viviam nas regiões mais afectadas pela nova guerra, no Vale de Bekaa, junto à fronteira, e também no Sul do Líbano.

“Antes de 29 de Setembro, o regime tinha imposto um pagamento de 100 dólares a todos os sírios que quisessem entrar na Síria, não só para os que vinham do Líbano. É algo sem precedentes no mundo, qualquer pessoa pode sair do seu país e depois regressar”, disse ao PÚBLICO Fadel Abdul Ghany, fundador e director de uma das organizações de direitos humanos mais importantes da Síria, a Syrian Network for Human Rights (SNHR).

O resultado é que “centenas de pessoas estiveram retidas na fronteira, a dormir à beira da estrada”. Esta semana, sob pressão, o regime de Bashar al-Assad acabou por anular esta taxa para quem venha do Líbano.

De acordo com dados de terça-feira da Unidade Libanesa de Gestão do Risco de Catástrofes, 240 mil pessoas passaram a fronteira entre o Líbano e a Síria desde 23 de Setembro, dia em que os ataques aéreos de Israel mataram quase 500 pessoas em todo o país; destas, 176.080 são sírios.

“Depois de entrarem na Síria, muitos destes refugiados têm sido sujeitos a investigações e já detectámos detenções arbitrárias”, afirmou Ghany. “Na Síria, sabemos que isso geralmente significa tortura e desaparecimento forçado”, sublinhou. Só em Setembro, de acordo com esta ONG, o número de detenções arbitrárias no país foi de 206, incluindo nove crianças e 17 mulheres – 158 casos já se transformaram em desaparecimentos forçados, sem que as famílias tenham qualquer informação sobre o paradeiro destas pessoas.

Para além disso, entre os regressados do Líbano, a organização já identificou nove jovens que foram detidos e levados para centros de segurança militares e que serão “integrados no Exército de Assad à força”, confirmou Ghany.

A detenção ou a perseguição por parte do regime não são as únicas preocupações de quem escolhe voltar. Muitos ficaram sem casa na guerra – muitas vezes em ataques e bombardeamentos levados a cabo pelo regime com o apoio do Irão e do Hezbollah (para além da Rússia) – e outros deixaram uma casa em pé, mas sabem que foi ocupada.

Dos refugiados sírios que vivem no Líbano, metade estão registados junto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o que lhes garante alguns apoios, mas os impede de trabalhar de forma ilegal. Segundo o ACNUR, 90% dos sírios no país vivem em “pobreza extrema”.

A situação destas pessoas já se tinha complicado no início do ano, quando Beirute começou a deportar refugiados à força para a Síria, ao mesmo tempo que alguns grupos políticos e religiosos protestavam contra a sua presença, o que levou a um número elevado de ataques contra refugiados.

“Não aceitamos sírios... apenas refugiados libaneses”, ouviu Maryam Madallah, uma refugiada síria a viver na cidade de Tiro, um relato idêntico ao de muitos que têm falado com jornalistas ou pedido ajuda a ONG.

Recusada no abrigo, Madallah dormiu duas noites na rua, contou ao jornal sírio independente Enab Baladi. Depois, conseguiu chegar à tenda de uma tia, no campo de refugiados de Al-Marj, em Bekaa, onde teve de entrar às escondidas (e continua escondida) porque as autoridades proibiram os refugiados sírios de acolherem novos refugiados sírios.

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