Em vários pontos do Alentejo, em postes eléctricos ou de telecomunicações, e noutras estruturas, estão a ser instaladas dezenas de caixas-ninho que têm um objectivo muito claro: impedir que o rolieiro (Coracias garrulus), uma das aves mais bonitas e mais ameaçadas que ocorrem em Portugal, deixe de escolher o nosso território para nidificar. Classificado como estando “criticamente em perigo” na Lista Vermelha das Aves de Portugal Continental, o rolieiro está presente sobretudo na Zona de Protecção Especial (ZPE) de Castro Verde, mas em quantidades tão pequenas que não é fácil cruzarmo-nos com ele. A estimativa é que passem pelo país menos de 90 casais.
Por esta altura já não é sequer possível encontrar um rolieiro por cá. Ave migradora, costuma chegar em Abril, para nidificar, e volta a partir quando o Verão começa a aproximar-se do fim, na despedida de Agosto. Coberto de penas azuis, acastanhadas e cor de laranja, é pouco maior do que um pombo e o seu colorido característico torna quase impossível confundi-lo com qualquer outra ave.
Contudo, a sua presença em território nacional é muito diminuta (algo que acontece, aliás, noutros pontos do mundo, com um declínio de 30% a nível europeu nos últimos 15 anos), e agora há um projecto de conservação coordenado pela Estação Biológica de Mértola, com fundos da associação Viridia Conservation in Action, que pretende reverter essa evolução. Os primeiros resultados são “fantásticos”.
A avaliação é de Inês Catry, investigadora da associação Biopolis/Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Biopolis/Cibio) da Universidade do Porto, responsável pelo projecto, e que há mais de 20 anos se dedica a estudar os rolieiros – aves a que chegou através de um trabalho prévio com os francelhos ou peneireiros-das-torres (Falco naumanni), que muitas vezes partilham território com aquela espécie.
O ponto de partida do seu trabalho foi a ecologia dos rolieiros – estudar quando chegam e partem, que habitats escolhem ou que alimento preferem, por exemplo –, mas como as questões de conservação nunca andam longe dessa análise, nomeadamente no que diz respeito às ameaças que a espécie enfrenta e que contribuem para o seu declínio, a bióloga acabou por se envolver também nesta área.
O projecto de três anos que arrancou já em 2023 pretende instalar quase 300 caixas-ninho para os rolieiros. Até ao início da Primavera deste ano, tinham sido colocadas 125, e até ao final deste ano, outras 157 devem juntar-se a elas. Por enquanto, há caixas-ninho em Castro Verde, no vale do Guadiana, Cuba, Vila Fernando, São Vicente, Veiros e Campo Maior. As próximas não devem andar muito distantes. “Queremos reforçar um pouco mais a zona de Castro Verde e também um bocadinho de São Vicente. E a ideia é irmos mais para norte e chegar ao Tejo internacional, onde a população é muito, muito residual, mas haverá alguns casais do lado espanhol e a tentativa é a de disponibilizar espaço de nidificação do lado de cá”, explica a investigadora.
As caixas-ninho estão a ser colocadas em edifícios rurais abandonados, mas sobretudo em postes telefónicos e eléctricos, fruto de protocolos estabelecidos com a Altice e E-Redes. E são consideradas essenciais porque, apesar de se saber muito pouco sobre esta espécie tão rara no país, acredita-se que a diminuição de locais que possam utilizar para colocar os ovos (os rolieiros não constroem ninhos, servindo-se de cavidades preexistentes para nidificar), está, a par da falta de disponibilidade de alimento, na origem da diminuição de aves que procuram Portugal.
Dependência traz riscos
“Há muito pouca informação sobre os rolieiros no nosso país. Sabe-se que teriam uma distribuição mais alargada no Norte Interior e no Alto Alentejo, onde nidificariam maioritariamente em cavidades de árvores. Mas em muitas zonas onde existiam, foram-se retraindo. Apesar de se saber muito pouco sobre esta espécie, as hipóteses mais prováveis para essa evolução é a perda de habitat e de alimentação”, diz a investigadora.
Um censo de 2005 apontava para a existência de entre 80 a 150 casais de rolieiros no país, números que baixaram para entre 57 e 62 noutra avaliação feita em 2009. Agora, os dados mais recentes obtidos com o trabalho da equipa de Inês Catry aponta para a existência de menos de 90 casais reprodutores no país, com uma enorme concentração em Castro Verde, onde estarão mais de 90% dos indivíduos. Aí, curiosamente, até se pode falar de um pequeno aumento populacional, que Inês Catry atribui às boas condições de habitat e alimentação nesta ZPE, uma mudança clara na distribuição destes animais que, diz a bióloga com um sorriso, nem eram comuns por ali, sendo designados pelos moradores como “os pássaros azuis”, por nem se saber exactamente o que eram.
Mas se em Castro Verde a população de rolieiros parece estar um pouco melhor, o mesmo não se pode dizer do restante território. Estas aves alimentam-se sobretudo de grandes insectos e as alterações na paisagem agrícola têm feito diminuir a disponibilidade desses animais fora das ZPE. O abate de árvores antigas (onde existiam as cavidades utilizadas pelas aves) e o desaparecimento de ruínas que também serviam de casa temporária à espécie, contribuem para que a sua presença seja cada vez menos dispersa e mais esporádica.
Por isso, salienta a investigadora, é tão importante a instalação de caixas-ninho, de que os rolieiros (a par dos francelhos) “gostam muito” e dependem cada vez mais. Um estudo de 2020 já indicava que cerca de 65% da população destas duas espécies nidificava em caixas-ninho. Inês Catry acredita que, actualmente, para os rolieiros, essa percentagem “deve andar mais perto dos 80%”.
As novas caixas-ninho instaladas até ao início da Primavera – mesmo a tempo de receber os rolieiros que chegavam – foram ocupadas por 18 casais, o que a investigadora considera ser “um resultado extraordinário, já que representa cerca de 25% da população estimada”. Contudo, esta actividade também comporta riscos.
Porque se os roleiros dependem cada vez mais das caixas-ninho para nidificar, é essencial que esta medida de conservação não seja interrompida de forma abrupta. Ou seja, estas estruturas têm um tempo limitado de vida e é essencial garantir financiamento para que a sua manutenção ou substituição aconteça, para que não se corra o risco de perdermos de vez os rolieiros.
Quanto a outras medidas, elas não são novidade para quem tem visto diminuir de forma acentuada várias aves estepárias que têm estado a decair extraordinariamente no Alentejo: “São necessárias medidas agro-ambientais, com subsídios decentes para os agricultores, que permitam que o tipo de habitat de que estas aves necessitam, e que são cada vez menos, continue a existir”, diz Inês Catry.