Incêndios estão a provocar “agravamento significativo da qualidade do ar”. Autoridades recomendam cautela

Exposição a partículas que existem na atmosfera e que são de dimensões diminutas traz consequências para a saúde humana, que podem ir da doença aguda à crónica.

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Proteção Civil recomenda a adopção de medidas especiais de resguardo e que se evite, ao máximo, a exposição ao ar Adriano Miranda (arquivo)
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Os relatos de quem nesta terça-feira olha para o céu, ou simplesmente sai de casa, nas zonas mais afectadas pelos incêndios dão conta de nuvens de fumo e de mantos negros, laranjas ou amarelos a cobrir o ar. O elevado nível de fumo no ar, provocado pelos incêndios que lavram desde domingo e que afectam, especialmente, as regiões Norte e Centro do país, levou mesmo a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil a recomendar a adopção de medidas especiais de resguardo e que se evite, ao máximo, a exposição ao ar. Sobre o tema, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra António Jorge Ferreira explica ao PÚBLICO que em causa estão os efeitos nocivos para a saúde humana provocados pelas partículas em suspensão.

“Temos verificado de facto um agravamento significativo das condições de qualidade do ar, sobretudo devido à exposição a matéria particulada, as chamadas PM2,5 e PM10”, refere o especialista. Mas o que são estas partículas e porque nos devemos proteger?

As partículas podem ter origem humana, como é o caso da combustão industrial, comercial ou residencial, entre outras, ou ter uma fonte natural: as erupções vulcânicas, os incêndios florestais, a acção do vento sobre o solo e superfícies aquáticas. Já ouvimos falar delas, por exemplo, quando há nuvens de poeiras transportadas por massas de ar com origem no Norte de África a afectar Portugal.

“Em Coimbra, por exemplo, os valores estão muito superiores ao que é o habitual. Estamos a atingir valores muito altos, sobretudo nas últimas horas e sobretudo no que concerne à matéria particulada”, exemplifica António Jorge Ferreira.

Na prática, estamos a falar de partículas que existem na atmosfera e que são de “muito diminutas dimensões, ou seja, as PM10 são matéria particulada inferior a dez micrómetros de diâmetro” e as PM2,5 são ainda menores, inferiores a 2,5 micrómetros. “São partículas que entram com facilidade no nosso sistema respiratório, mas também cardiovascular”, interferindo no processo respiratório e acarretando risco grave para a saúde.

Como consequência da exposição excessiva a este tipo de matérias há a apontar “danos na saúde, que podem ser mais agudos ou mais crónicos”, adianta ainda o especialista. Podem ser problemas não apenas respiratórios, mas também consequências do foro cardiovascular e cerebrovascular.

“No caso das PM10, por exemplo, hoje [terça-feira] vários detectores a nível nacional nestas zonas mais complexas, nomeadamente na região Centro, estão a monitorizar valores que chegam a ser dez vezes superiores aos recomendados pela Organização Mundial da Saúde. Em Portugal, como confirma a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) — que faz a monitorização numa escala de qualidade que vai de “mau” a “muito bom” —, “a concentração de partículas no ar ambiente é objecto de regulamentação e controlo”.

Má qualidade do ar em Gaia e Aveiro

O PÚBLICO consultou o site da APA dedicado à qualidade do ar na tarde desta terça-feira e, por exemplo, figuravam com “mau” as seguintes estações de monitorização: Sobreiras-Lordelo do Ouro, Avintes (ambas em Vila Nova de Gaia), Mindelo - Vila do Conde, Cónego Dr. Manuel Faria-Azurém (Guimarães), Estarreja, Aveiro, entre outras. Por outro lado, estações localizadas, por exemplo, no Porto ou em Matosinhos não apresentavam qualquer valor neste índice no site.

Face às consequências da exposição a estas partículas, que, uma vez libertadas ou formadas na atmosfera, são transportadas pelo vento a longas distâncias, a recomendação é mesmo pela diminuição da exposição ao ar em zonas afectadas. Por outro lado, “o conselho vai também no sentido de os cidadãos se manterem informados” através dos canais de organismos como a Direcção-Geral da Saúde, a Ordem dos Médicos ou da Sociedade Portuguesa de Epidemiologia.

“As populações mais vulneráveis são, muitas vezes, as primeiras a ter de recorrer a serviços de saúde, precisamente por exacerbação das suas doenças prévias. E aqui a maior parte das situações são, por exemplo, a exacerbação de asma ou de doença pulmonar obstrutiva crónica. Temos muitas situações também de bronquite aguda e de descompensação de outras doenças prévias, nomeadamente a doença cardiovascular ou insuficiência cardíaca”, reflecte António Jorge Ferreira, ao mesmo tempo que alerta: A qualidade do ar nestes dias permanece deteriorada, geralmente, durante períodos que não são assim tão pequenos.

Quanto à expulsão destas partículas do organismo, não há uma resposta certa. Contudo, sabe-se que nas semanas subsequentes a estes fenómenos, habitualmente, há aumentos também de incidência e prevalência de alguma tipologia de doença, nomeadamente respiratória e cardiovascular”. “E também sabemos que existe, a nível mundial, no excesso de exposição a estas partículas, aumento de mortalidade”, remata o especialista.

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