Dão, a “Arca de Noé das castas”

Um panorama geral sobre a mais antiga região nacional demarcada para vinhos não licorosos permite compreender melhor os desafios actuais e antecipar o futuro.

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A região vitivinícola do Dão foi, de acordo com os registos, a primeira oficialmente demarcada para vinhos não licorosos, em 1908, e com a prática de produção regulamentada a partir de 1910. Actualmente, enfrenta desafios como o excesso de stocks de vinho a granel, enquanto beneficia do aumento da procura de vinhos brancos e rosés e da afirmação de castas nativas. Para melhor compreender o estado da arte, é importante perceber o que distingue, afinal, os vinhos desta região, olhar para o trabalho que tem sido feito para a sua preservação e promoção e de que forma os produtores, através da Comissão Vitivinícola Regional (CVR), estão a enfrentar os desafios e a aproveitar as oportunidades de desenvolvimento.

Promover a singularidade dos vinhos do Dão

A região do Dão destaca-se por condições edafoclimáticas (relativas aos solos e ao clima) excepcionais e que conferem aos vinhos características únicas. Este terroir específico propicia vinhos com um perfil complexo, mas equilibrado, com potencial de envelhecimento e muito gastronómicos. Reconhecidos internacionalmente, os vinhos do Dão posicionam-se no mercado nacional num patamar de qualidade-preço que tem vindo a conquistar novos consumidores. Arlindo Cunha é presidente da CVR do Dão, e, por isso, pode parecer suspeito para falar dos progressos que têm feito. Mas é, em simultâneo, a pessoa ideal para partilhar uma perspectiva abrangente e realista. Apesar de lembrar que a promoção internacional dos vinhos portugueses está sob a alçada da ViniPortugal, “as CVR complementam esse trabalho”.

Enquanto a ViniPortugal representa a fileira do vinho no seu todo, "as CVR têm, neste plano, uma função importante de promoção no mercado nacional e uma função supletiva nos mercados externos”, explica Arlindo Cunha. No que respeita à Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Dão, o investimento anual em promoção é de cerca de meio milhão de euros e centra-se na organização de eventos internos, na participação em eventos nacionais e em iniciativas de promoção locais, em colaboração com os municípios da região. Externamente, “a CVR Dão tem investido em eventos internacionais como a Prowein, na Alemanha e Brasil, e os Vinhos de Portugal em São Paulo e Rio de Janeiro". Também o apoio a produtores em feiras de enoturismo e a organização de visitas de compradores e jornalistas estrangeiros à região contribui para “reforçar a presença dos vinhos do Dão em mercados estratégicos”, assegura o presidente da CVR Dão.

Desafios e oportunidades para criar mais valor para a região

Arlindo Cunha acredita que “o maior desafio é manter o patamar de qualidade” alcançado e “preservar as castas tradicionais”, continuando a reestruturar as vinhas e a formar profissionais “em todas as dimensões da fileira do vinho, desde a viticultura à enologia, à gestão ou ao enoturismo” e, desta forma, criar mais valor. É importante também manter a “capacidade de comunicação com o mercado”, saber ler os seus sinais e “reagir quanto antes”.

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Arlindo Cunha, presidente da CVR do Dão.

Estrategicamente, refere o trabalho colaborativo entre o Ministério da Agricultura, o Instituto Politécnico de Viseu e as principais empresas e cooperativas, no qual apresentam uma “agenda de investigação e inovação, procurando, designadamente, ensaiar as implicações das alterações climáticas no comportamento das diferentes castas e respectivos vinhos”. Sobre o futuro, o presidente da CVR Dão não tem quaisquer dúvidas de que "o sucesso do futuro passa em larga medida por este trabalho de investigação e pela capacidade de antecipação”.

A questão dos stocks excedentários de vinho a granel também representa um desafio significativo. Além da crise de mercados, como o russo e o ucraniano, “é sabido que essa situação se deve essencialmente a um aumento inusitado das importações de vinho de mesa a granel, de Espanha” e que tem perturbado o escoamento do vinho nacional, contextualizou Arlindo Cunha. Para lidar com a questão, a CVR Dão defende a implementação de medidas europeias que poderão passar, por exemplo, pela criação de um Observatório do Mercado do Vinho, que forneceria dados essenciais para a gestão do sector. Também a intervenção do governo “para evitar a descida drástica do preço das uvas na próxima campanha” é apontada como uma medida essencial para regulamentar o sector.

No que respeita a oportunidades, o aumento da procura por vinhos brancos e rosés reflecte-se positivamente nos vinhos do Dão. Nos últimos 10 anos, a participação dos vinhos brancos certificados pela CVR Dão subiu de 14% para 25%, enquanto os rosés passaram de menos de 1% para 5%. Esta tendência oferece uma excelente oportunidade para a região, que conta com uma vasta gama de castas brancas e é conhecida pela alta qualidade de seus vinhos de lote, especialmente os produzidos com a casta Encruzado, uma das grandes bandeiras do Dão.

Encruzado e outras mui nobres castas: o esplendor do Dão

Não será por acaso que o jornalista norte-americano Paul White, reconhecido na área dos vinhos, é citado com frequência: em tempos, terá dito que “o Dão é a Arca de Noé das castas Vitis Vinífera”, recorda Arlindo Cunha, tal é a sua quantidade e diversidade. Apesar de a casta Encruzado ser uma das embaixadoras do Dão, também a Touriga-Nacional o é. Para além vos vinhos monovarietais destas castas, importa lembrar que o Dão, devido a essa grande variedade de castas, “é essencialmente uma região de vinhos blend, de lote, incluindo castas como o Alfrocheiro, o Jaen, a Tinta Roriz, nos tintos; ou castas actualmente ‘fora da moda’, mas com excelentes características como o Alvarelhão, o Bastardo ou o Rufete”. Palavra do presidente da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) Dão. Há também brancos para além da Encruzado: a Malvasia Fina, a Cerceal-Branco, a Gouveio, a Bical e tantas outras. Segundo os trabalhos desenvolvidos pelo Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, estão registadas 70 castas originárias do Dão ou lá sediadas há muitas gerações. Uma “Arca de Noé”, uma “arca” de tesouros para descobrir.