Apenas 400 médicos dos 1350 que concluíram formação há meio ano estão no SNS
FNAM alerta que situação de fecho de urgências poderá agravar-se devido aos médicos atingirem o limite das horas extraordinárias e aconselha os profissionais a entregarem escusas de responsabilidade.
A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) denunciou nesta segunda-feira “atrasos e irregularidades” nos concursos e na contratação de médicos, alertando que meio ano depois de 1350 médicos terem concluído a sua formação, apenas 400 estão colocados no Serviço Nacional de Saúde.
“O Ministério da Saúde de Ana Paula Martins decidiu unilateralmente alterar as regras dos concursos, e tal como a FNAM tinha avisado resultou no atraso inaceitável na contratação de especialistas para o SNS”, salienta a Federação Nacional dos Médicos (FNAM).
Em declarações à agência Lusa, a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, adiantou que, devido a esta alteração, apenas estão colocados no Serviço Nacional de Saúde 400 médicos, sendo os “piores atrasos” os que respeitam à colocação de especialistas de Medicina Geral e Familiar, “uma das especialidades mais carentes no SNS”, o que se traduz em quase 1,7 milhões de utentes sem médico de família.
“Mas, além do próprio processo, que passou a ser local e não um concurso nacional, há irregularidades e problemas com os contratos e esse é grande problema agora”, disse a líder sindical.
Joana Bordalo e Sá exemplificou com a abertura de vagas que depois fecham, sem que o procedimento concursal esteja concluído, deixando médicos de fora, como é o caso da Saúde Pública, o que considerou “absolutamente inaceitável”.
Por outro lado, algumas unidades locais de saúde (ULS) recusam-se a comunicar o local do posto de trabalho, disse, observando que “as ULS são muito grandes, algumas têm mais do que um hospital, vários centros de saúde”, num raio de mais de 100 quilómetros.
“As pessoas têm direito a saber qual é o seu local de trabalho (...). Isto é um drama”, vincou.
A presidente da FNAM alertou também para outra situação relacionada com contratos apresentados a médicos de Medicina Geral e Familiar que “têm cláusulas que são ilegais, que pressupõem trabalho em serviço de urgência nos hospitais”, o que não faz parte do trabalho destes especialistas.
“Isto aconteceu em algumas ULS do Norte, mas também, por exemplo, no Alentejo”, revelou.
A FNAM defende que “os concursos de colocação dos recém-especialistas sejam nacionais, com regras transparentes e equitativas para todos, e que os contratos estejam em conformidade com a lei”.
Apela ainda a todos os médicos que validem os seus contratos junto do departamento jurídico do respectivo sindicato da FNAM, para acção imediata e em conformidade com o disposto nos acordos colectivos de trabalho. Recorde-se que a ministra da Saúde já admitiu preocupação com os atrasos e poder vir a fazer alterações às regras do concurso, eventualmente regressando ao modelo anterior.
Fecho de urgências pode agravar-se
A FNAM avisou também que a situação de fecho de urgências poderá agravar-se pelo facto de os médicos atingirem o limite das horas extraordinárias e com “o decorrer do Inverno”, aconselhando os profissionais a entregar escusas de responsabilidade.
Apesar de o período de férias já ter terminado para a maior parte dos médicos, continua a haver urgências de Ginecologia/Obstetrícia e de Pediatria encerradas, como aconteceu no passado fim-de-semana, com sete serviços fechados no sábado e oito no domingo. Segundo Joana Bordalo e Sá, a previsão é que a situação possa “agravar-se, uma vez que não está resolvida”.
“Com o resto do fim do ano e os médicos com as horas extraordinárias todas atingidas, esta situação, provavelmente, vai piorar”, disse a dirigente sindical à agência Lusa.
Joana Bordalo e Sá avançou que a FNAM está a aconselhar neste momento os médicos a entregar escusas de responsabilidade, “para garantir a sua própria segurança e a segurança dos doentes e dos utentes que vêem”.
“Se o médico entender que está a trabalhar sob más condições de trabalho, com equipas reduzidas, que não está a conseguir dar a resposta adequada, deve entregar estas escusas de responsabilidade, porque tem de salvaguardar o doente, o utente e a si próprio", sustentou.
A dirigente sindical avisou ainda que a FNAM não aceitará “soluções que passem por encolher ainda mais as equipas que estão no terreno a trabalhar, e não só na obstetrícia, na pediatria, onde quer que seja”, numa alusão à decisão anunciada pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins, de ter feito um “reajustamento do número de obstetras por equipa em função do número de partos”.
Esta decisão foi tomada em colaboração com a Ordem dos Médicos e já foi comunicada às unidades de saúde locais, disse a ministra na quarta-feira na conferência de imprensa de balanço dos três meses do Plano de Emergência e Transformação na Saúde, em que defendeu que as ULS têm de garantir uma gestão eficaz dos recursos humanos, alegando que “não pode acontecer” o encerramento de 17 urgências de obstetrícia, como aconteceu em 1 de Setembro.
Joana Bordalo e Sá reiterou que a FNAM não quer “uma negociação de fachada”.
“Queremos é um Ministério da Saúde que seja liderado por alguém que tenha competência e que, acima de tudo, ouça os médicos e por isso é que também temos a greve nacional em 24 e 25 de Setembro, com a manifestação nacional dia 24, onde não convidamos apenas os médicos”, mas todos os profissionais de saúde e a população em geral.
Nesta segunda-feira estão fechadas as urgências de Ginecologia e Obstetrícia dos hospitais do Barreiro, Vila Franca de Xira, São Francisco Xavier, em Lisboa, e Abrantes, segundo a informação publicada às 12h00 no Portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Estão ainda referenciadas a urgência pediátrica e a urgência de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), entre 8h00 às 20h00 e entre as 20h00 e a meia-noite, e a urgência de Pediatria do Centro Materno-Infantil do Norte, entre as 8h00 e as 18h00.
Nas unidades referenciadas, os serviços estão reservados aos casos de urgência internos ou referenciados pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) ou pela linha SNS 24.
Já a urgência de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Garcia de Orta, em Almada, permanece todo o dia referenciada para o CODU/INEM.
A Federação Nacional dos Médicos realça que esta “é uma das várias razões” que empurraram para a greve geral dos dias 24 e 25 de Setembro, e para a manifestação nacional do dia 24, em frente ao Ministério da Saúde, para exigir “uma ministra que sirva o SNS”.
“Uma vez mais fica demonstrada a falta de vontade política e de competência por parte do Ministério da Saúde de Ana Paula Martins em encontrar verdadeiras soluções para atrair médicos no SNS”, sublinha a federação em comunicado, recordando que continua “a lutar e a defender as soluções que em tempo útil entregou no Ministério da Saúde” para servir “um SNS de excelência” à população.