Quem são e o que se sabe sobre os cinco reclusos que fugiram de Vale de Judeus

Rodolf José Lohrmann era procurado por homicídios na América do Sul, Fábio Loureiro está na mira da polícia desde jovem e Roscaleer já tinha tentado fugir. Quem são os fugitivos de Vale dos Judeus?

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As imagens dos reclusos no momento em que escaparam do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, em Alcoentre Sindicato Nacional Corpo Guarda Prisional (Facebook)
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Quando foi detido em Aveiro, Rodolf José Lohrmann, também conhecido como "Russo", estava fugido à Justiça argentina havia mais de uma década. Em 2003, juntamente com o cúmplice José Maidana, raptaram naquele país o filho de um antigo ministro da Saúde — cujo paradeiro permanece desconhecido até hoje. Depois fugiram para a Europa.

Não davam passos em falso: submeteram-se a intervenções cirúrgicas, usavam nomes e documentos falsos, trocaram amiúde de número de telefone, falavam por código, pagavam a renda a tempo nas várias casas que arrendavam ao mesmo tempo e mantinham vidas pacatas, sem luxos​. Mas sobrava-lhes tempo para manterem por cá a vida criminosa de sempre — até mesmo depois de estar preso no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, de onde fugiu este sábado juntamente com outros quatro reclusos.

Isso mesmo foi o que o PÚBLICO contou entre 2017 e 2018. Rodolf José Lohrmann fixou-se em Portugal em 2014. Parecia invisível às autoridades, mas estava em todo o lado: o mesmo homem que fazia companhia a uma vizinha idosa, visitando-a todas as tardes, também era o cérebro por detrás de intricados planos de assalto a bancos que duravam meros segundos e renderam, naqueles dois anos até 2016, pelo menos 235 mil euros. Só avançava depois de os cúmplices estudarem durante um mês as rotinas das sucursais que seriam atacadas. Não costumava recorrer à violência, mas chegou a esbofetear uma mulher grávida, ameaçando-a de morte, durante um assalto em Cascais.

Em Novembro de 2016, a Polícia Judiciária deteve Rodolf José Lohrmann e o cúmplice na iminência de um assalto, igual a tantos outros, a uma carrinha de transporte de valores. Só um mês depois, quando contactaram as polícias latino-americanas, é que as autoridades portuguesas perceberam quem tinha capturado: eram dois dos homens mais perigosos e mais procurados da Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil, suspeitos de crimes tão graves como sequestros e homicídios. Rodolf José Lohrmann e José Maidana ficaram detidos na cadeia de alta segurança de Monsanto, de onde o último chegou a tentar fugir sem sucesso.

Lohrmann também já tinha tentado fugir de uma prisão. Pelo menos foi o que o próprio contou — e que o seu representante português, Lopes Guerreiro, confirmou — numa série de cartas que enviou ao jornal argentino Clarín em 2019. Estava em prisão preventiva na Bulgária quando em 2011, ao fim de dois anos e meio na prisão, "conseguiu uma fuga digna de um filme". "Nesse país, ainda tenho de responder pelo roubo de um camião blindado e pela fuga. Quero levar esse caso para a Argentina e obter uma única condenação", disse o fugitivo nas cartas: "Sei que vou demorar algum tempo a juntar o puzzle de casos que tenho, mas na Bulgária vou fazer um acordo com o juiz para que tudo seja mais rápido e eu possa ir para a Argentina cumprir uma pena cumulativa."

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Facebook do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional

Afinal, Rodolf José Lohrmann tinha outros planos: é um dos cinco reclusos que fugiram na manhã deste sábado, 7 de Setembro, de uma das mais seguras prisões do território português, juntamente com o português Fernando Ribeiro Ferreira e o georgiano Shergili Farjiani , o britânico Mark Cameron Roscaleer e outro português, Fábio Fernandes Santos Loureiro. Cinco fugitivos considerados "extremamente perigosos" que estavam sujeitos a "medidas especiais de segurança, o que quer dizer que só saem ao exterior acompanhados por grupo de intervenção e segurança prisional" — mas que, para fintar o sistema, só precisaram de um escadote para saltar um muro e da ajuda de três pessoas que os aguardavam com um carro no exterior. Todos conhecem bem os meandros da Justiça e demonstraram no passado uma aptidão para lhes escapar. Eis o que se sabe sobre eles.

Roscaleer tem um historial de fugas com serras, lençóis e óleo

Tornou-se rapidamente óbvio que a transferência de uma prisão de média segurança em Silves para o Estabelecimento Prisional de Lisboa não tinha surtido o efeito esperado. Mark Cameron Roscaleer tinha tentado fugir do estabelecimento prisional algarvio e foi, por isso, enviado para a capital na esperança de o manter sob uma vigilância mais apertada. E a vigilância apertou, mas não o dissuadiu: em 2019, o britânico partiu a janela da cela onde estava encarcerado e planeava serrar as grades e cobrir-se com um óleo para facilitar a passagem. Foi apanhado a tempo, quando a segurança encontrou indícios do que o recluso planeava fazer, e a tentativa de fuga ficou-se por isso mesmo.

Mas Mark Cameron Roscaleer já tinha experiência em planos daquela natureza: a tentativa de fuga na prisão de Lisboa era já a terceira que o recluso levava avante — e, na primeira vez, foi bem-sucedido. Aconteceu em Inglaterra, enquanto cumpria pena na cidade de Kirkham por um assalto violento em que tinha participado num bar em Ellesmere Port, na região de Chester. Mark Cameron Roscaleer conseguiu mesmo fintar a segurança do estabelecimento prisional, mas entregou-se às autoridades poucos dias depois da fuga, como contaram à época os jornais regionais.

Em Portugal, o britânico estava a cumprir uma pena de nove anos por sequestro e roubo. Em Inglaterra, Mark Cameron Roscaleer foi condenado a sete anos e quatro meses de prisão por ter invadido um pub, encapuzado e munido de um martelo e uma faca, para roubar o equivalente a quase 7700 euros. Juntamente com um cúmplice, Karl Steinman, que também foi detido após o crime, Mark Cameron Roscaleer ameaçou "esmagar o crânio" de um funcionário do The Gunners Arms caso não colaborasse com os assaltantes. A pena inicial para Mark Cameron Roscaleer foi de quatro anos por roubo qualificado, mas o tribunal acabou por aumentar a pena, a pedido do Ministério Público inglês.

Fábio esteve à frente de um gangue

Fábio Fernandes Santos Loureiro foi detido em 2012 em Odemira, enquanto passava férias com amigos. Não era a primeira vez que as autoridades o detinham, mas era a primeira vez que acabaria mesmo atrás das grades, depois de ter chegado a ser condenado a sete anos e meio de prisão por assaltos a residências no Algarve e de ter ficado em liberdade a aguardar a decisão de um recurso. Para trás ficariam anos de fintas à Justiça, com Fábio "Cigano" — a alcunha por que era conhecido na região onde tinha crescido — a escapar-se sempre entre os pingos da chuva, ora por falta de provas, ora porque outros assumiram as culpas.

Nascido no Poço Partido, um bairro na freguesia unida de Lagoa e Carvoeiro, ficou na mira das autoridades quando ascendeu à liderança de um gangue juvenil quando o primeiro cabecilha, Fábio "Cigarrinho", acabou detido em Espanha. Conduzia carros de luxo e andava sempre armado com uma espingarda automática Kalashnikov. Chegou a disparar com uma metralhadora contra uma vivenda em Albufeira, onde estava um bebé de seis meses, por causa de um ajuste de contas. Era só mais um episódio numa história de crimes de roubo a casas pelo Algarve, crimes como tráfico de menor quantidade, associação criminosa, extorsão, branqueamento de capitais, injúria, resistência e coacção sobre funcionário e condução sem habilitação legal.​​

Fábio Loureiro caiu muitas vezes na malha da polícia e muitas vezes conseguiu escapar. Em 2011, chegou a ser detido por ter sido apanhado numa operação de combate ao tráfico, mas foi libertado porque um amigo afirmou que os 11 quilos de haxixe apreendidos eram dele e não de Fábio. Noutras ocasiões, as provas que as autoridades tinham contra o fugitivo revelaram-se circunstanciais e pouco sólidas. Seria preciso mais para o parar — e nem as medidas de alta segurança impostas no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus se mostrariam suficientes.

Fernando Ribeiro Ferreira, o líder dos "Mosqueteiros"

Com 61 anos, Fernando Ribeiro Ferreira estava em Vale dos Judeus a cumprir uma pena de 25 anos pelos crimes de tráfico de estupefacientes, associação criminosa, furto, roubo e rapto.

Natural da Lousã, era líder dos “Mosqueteiros” que, escreve o Notícias de Coimbra, “aterrorizaram a região Centro” com assaltos com armas de fogo a hipermercados e ourivesarias. Em Julho de 2010, a Polícia Judiciária anunciava que identificara e detivera "seis homens e duas mulheres”, com idades compreendidas entre os 24 e 58 anos, sendo os "suspeitos membros de um dos grupos mais organizado e violento que actuava na zona Centro do país".

Em 2012, segundo o Correio da Manhã, Fernando Ferreira foi condenado a uma pena de 11 anos por ter raptado e torturado um empresário de 31 anos em Agosto de 2009. "Batiam-me todos os dias e apertavam-me os dedos dos pés com um alicate", disse a vítima em 2010 em entrevista ao mesmo jornal.

Foi quando foi levado a um banco em Coimbra para levantar o dinheiro exigido pela liberdade (20 milhões de euros) que o empresário conseguiu pedir ajuda. Tendo em conta o cadastro criminal, a pena de Fernando Ferreira foi agravada para os 25 anos de prisão. Com Amanda Ribeiro

Actualizado às 20h35 com mais informações

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