Artistas ganham mais cantando nas ruas de Portugal do que em barzinhos

Vários músicos brasileiros, alguns em começo de carreira, preferem se apresentar nas ruas de Lisboa e do Porto do que ficarem presos a bares, que pagam cachês muito baixos, entre 50 e 80 euros.

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Júlio Brechó se apresenta nas ruas desde 2002. Em Portugal, ele criou o Samba Colaborativo, que agrega uma série de artistas Vicente Nunes
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Início de carreira não é fácil para ninguém. E mesmo um recomeço exige disposição extra. Mas artistas brasileiros que decidiram trocar o Brasil por Portugal têm usado as ruas de Lisboa e do Porto, principalmente, para difundirem suas obras. Outros aceitam tocar em barzinhos, muitas vezes, recebendo um cachê que mal paga as despesas do dia.

“Arte é arte, independentemente de onde esteja sendo feita”, diz o carioca Júlio Brechó, 40 anos, responsável pelo projeto Samba Colaborativo, que abre espaço para cantores e músicos ainda em processo de construção de carreira. “Sempre fui um artista de rua. Comecei em 2002, no Rio de Janeiro, e não foi diferente em Portugal, onde moro há sete anos”, diz.

Brechó afirma, de forma enfática, que é mais vantajoso para um artista se apresentar nas ruas do que em um bar. “Os valores pagos pelos donos de estabelecimentos são muito baixos. Variam de 50 a 80 euros (R$ 300 a R$ 480) por noite. Na rua, é possível arrecadar bem mais, em torno de 20 euros (R$ 120) a hora”, assegura.

Para ele, as pessoas, no geral, se sensibilizam com aqueles que estão se apresentando em uma esquina, numa praça, num ponto qualquer das cidades. “Eu, particularmente, gosto da ocupação musical nas ruas. Mas é preciso lembrar que também há problemas, sobretudo quando a polícia chega e apreende os equipamentos. Eu mesmo já perdi três amplificadores de som em Portugal nessas apreensões”, conta.

O paulista Cicero Mateus, 39, tem hoje uma carreira totalmente consolidada em Portugal por meio do grupo musical Viva o Samba Lisboa. Mas, sempre que necessário, como ele frisa, sai às ruas para divulgar um trabalho novo ou a mudança de local onde ele e os parceiros se apresentam. “As ruas são um ótimo local para se fazer propaganda do nosso trabalho. Em questão de minutos, consegue-se juntar 200 pessoas”, ressalta.

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O sambista Cicero Mateus tocou nas ruas de Lisboa por dois anos e, mesmo com uma carreira consolidada, às vezes, se apresenta em pontos da cidade Vicente Nunes

Ele mora em Portugal desde 2002 e tocou nas ruas por dois anos. Na visão dele, há um descaso dos bares em relação aos cachês dos artistas: “É incrível como esses estabelecimentos não nos valorizam. Desde que cheguei em Portugal, há mais de duas décadas, o cachê médio continua em 50 euros por oito horas de trabalho. Nem a inflação eles repõem”.

Para o paraibano Dmitry Luna, 33, as ruas são sinônimos de liberdade. “Os artistas definem os dias e os horários em que vão tocar e cantar. Não há aquela sensação passada por vários donos de bares de que estão fazendo um favor pagando uma ninharia. Também não há compromisso com o repertório. Eu gosto de cantar de tudo, e o faço em cinco línguas”, assinala.

O músico destaca ainda que, mesmo sendo um artista independente, contribui com a Segurança Social, equivalente à Previdência Social brasileira. “Mas, mesmo fazendo isso, há o risco de apreensão de equipamentos por parte da polícia. Essa possibilidade deixa todo mundo tenso. E tudo isso acontece porque não estão liberando licenças para os artistas de rua há tempos”, diz. Procurada pelo PÚBLICO Brasil por meio de e-mail, a Polícia de Segurança Pública (PSP) não respondeu até o fechamento desta edição.

Sem constrangimento

Atualmente, uma das mais requisitadas cantoras e compositoras brasileiras em Portugal, Karla da Silva, 40, recomeçou a carreira em território luso cantando em barzinhos. “Não vejo qualquer constrangimento nisso, pois o instrumento para esse recomeço foi o que sempre me move, a música”, afirma.

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Para a carioca Karla da Silva, se a arte é feita com amor e respeito, não há porque ter vergonha do local onde o artista se apresenta Vicente Nunes

A partir dos bares em que se apresentava, a carioca de Madureira começou a receber convites para se apresentar em vários lugares e conseguiu gravar um single, o que pavimentou o caminho seguido por ela. Portanto, acredita Karla, desde que se faça arte com dedicação e respeito, não há do que se envergonhar, seja nas ruas, seja em bares.

Júlio Brechó conta que, neste momento, não tem conseguido se apresentar nas ruas porque está em tratamento de saúde e a parte administrativa do bloco que ajudou a fundar em Portugal, o Lisbloco, tem lhe tomado muito tempo. Mas ele se realiza por meio dos artistas que convida para se apresentar por meio do Samba Colaborativo, que acontece na região central de Lisboa.

“Seria tão bom que as autoridades portuguesas dessem mais valor aos artistas de rua, regularizando a situação deles e não aplicando multas e apreendendo instrumentos de trabalho. A multa para cada apreensão é de 180 euros (R$ 1.080)”, frisa o músico.

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O paraibano Dmitry Luna gostaria que as autoridades valorizassem mais os artistas de rua, que são patrimônio cultural de Lisboa Arquivo pessoal

Esse pensamento é compartilhado por Dmitry Luna. “Vejo propagandas de governos exaltando os artistas de rua como patrimônio das cidades portuguesas, mas, na realidade, não há apoio a nós. Em Lisboa, por exemplo, os artistas de rua fazem parte da vida cultural. Poucas cidades do mundo têm tantos artistas se apresentando gratuitamente para a população, como Lisboa”, ressalta. E essa presença constante nas ruas é como um ato de resistência. “As pessoas se divertem, param para ouvir, pedem músicas. Isso é muito legal”, comenta.

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