Ambientalistas dizem que Plano Nacional de Energia e Clima melhorou mas tem falta de ambição

O documento revê algumas metas, antecipando a neutralidade carbónica para 2045. Mas ambientalistas querem metas para eficiência energética mais ambiciosas. Ministra quer plano aprovado este mês.

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Maria da Graça Carvalho afirmou que o Governo pretende aprovar durante este mês o PNEC Nuno Ferreira Santos
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A ministra do Ambiente e Energia disse nesta sexta-feira que o Governo conta aprovar em Conselho de Ministros durante este mês a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) e enviá-lo à Comissão Europeia no final do ano — a apresentação do documento está atrasada, como em vários outros países europeus. "O objectivo é entregar o plano à Comissão Europeia no fim do ano", afirmou Maria da Graça Carvalho.

A associação ambientalista Zero saudou as alterações introduzidas pelo Governo na nova proposta de revisão do PNEC 2030, mas considera que continua a faltar ambição e soluções sustentáveis.

"Embora o plano actual demonstre um grau de ambição importante, ainda está aquém do necessário para Portugal estar alinhado com as metas do Acordo de Paris", refere a associação em comunicado. Para tal, sublinha a Zero, em comunicado, seria necessária uma redução de emissões em 60% entre 2005 e 2030 e atingir a neutralidade climática no ano de 2040.

Já o GEOTA considera que publicação do PNEC 2030 "é um marco importante para a transição energética de Portugal", mas salienta que está atrasado em relação aos prazos da UE (Junho 2024). Apesar de reconhecer que esta revisão "reforça a ambição do país com a neutralidade climática em 2045", considera "as metas para a eficiência energética muito pouco ambiciosas, na ordem de 1% ao ano (em termos de intensidade energética), quando é técnico-economicamente interessante ter metas na ordem dos 2% ao ano", diz a associação, em comunicado.

As posições da Zero e do Geota foram divulgadas depois de concluído, na quinta-feira, o período de consulta pública da nova proposta de revisão do PNEC 2030.

O documento revê algumas metas, antecipando, por exemplo, a neutralidade carbónica de 2050 para 2045. A meta nacional para a redução de emissões globais de gases com efeito de estufa entre 2005 e 2030 passou para 55% (estava fixado um intervalo entre 45% e 55%) e a meta para as energias renováveis passou de 47% para 51% em 2030. O que a Zero diz ser insuficiente para cumprir o Acordo de Paris.

Metas credíveis?

Um dos aspectos mais críticos é a viabilidade do cumprimento das metas face às políticas e medidas propostas, salientam os ambientalistas. "No geral, carecem de detalhes suficientes para garantir a sua credibilidade e não esclarecem a forma adequada como contribuirão para alcançar os objectivos estabelecidos", diz a Zero.

“Estabelecer metas ambiciosas é virtuoso, mas estas devem também ser alcançáveis e realistas", comentou Miguel Macias Sequeira, vice-presidente do GEOTA. As medidas anunciadas estão ainda pouco detalhadas, "sobretudo no que diz respeito à eficiência energética, pobreza energética, renováveis descentralizadas, mobilidade ferroviária e intermodal", salientou.

"Durante este processo complexo de transição energética, não pode ser esquecida a protecção da biodiversidade, o envolvimento das comunidades locais e a protecção dos consumidores vulneráveis”, recordou Miguel Macias Sequeira.

A Zero refere igualmente linguagem vaga e sem indicadores mensuráveis, prazos de execução demasiado longos para algumas medidas, falta de informação quanto ao seu impacto e ao montante de financiamento necessário para a sua execução. "Um plano bem-sucedido deve priorizar acções concretas, processos transparentes, soluções sustentáveis e uma transição justa e equitativa para todos", refere o comunicado da organização.

A ambição, reflectida noutros aspectos do plano não pode pôr em causa a sustentabilidade, salienta a Zero. Por exemplo, no âmbito do aumento da potência renovável instalada, não é claro "o caminho para a instalação e tantas fontes renováveis sem ultrapassar os conflitos" com valores naturais e culturais.

"Os aumentos de capacidade instalada de produção centralizada e transporte de energia (eólica, fotovoltaica, hidrogénio) são demasiado ambiciosas face à realidade do mercado nacional e aos conflitos ambientais e sociais que geram", contribui a GEOTA.

Em concreto, “a proposta do aumento da potência de solar fotovoltaico centralizado é excessiva para o consumo de electricidade actual e, provavelmente, inalcançável. Também a eólica offshore na escala proposta dificilmente será competitiva ou viável”, salientam.

Defendendo, por outro lado, maior ambição no armazenamento de energia renovável e no investimento nas redes de transporte e distribuição de electricidade, a Zero refere que as metas definidas para a produção descentralizada da energia solar ficam "muito aquém do possível e do necessário".

A proposta do Governo falha também quanto aos combustíveis fósseis, acrescenta a associação, que defende o fim dos incentivos fiscais, nomeadamente ao gás fóssil, até 2027.

Cuidado com o hidrogénio verde

A meta nacional para a redução de emissões de gases com efeito de estufa é aumentada para 55% até 2030 e a quota de energias renováveis no consumo final bruto de energia sobe para os 51%. Para alcançar esta meta, o Governo propõe um reforço da exploração do potencial de energias renováveis, com foco nas tecnologias solar e eólica onshore/offshore, entre 2025 e 2030.

Estas metas foram referidas nesta sexta-feira pela ministra, que se mostrou convicta de que o país irá conseguir alcançá-las: "Há muito investimento privado nas renováveis", afirmou, e uma "fila de espera de projectos para serem aprovados, fotovoltaicos principalmente".

Quanto ao projecto transfronteiriço de hidrogénio verde H2MED, a Zero alerta para a incerteza em relação à produção em quantidade suficiente, o risco de perpetuar o mercado de gás fóssil, e a insuficiência do transporte. O GEOTA considera que é atribuído "um papel demasiado ambicioso aos gases ditos renováveis, como o 'hidrogénio verde'". Embora possam ter um papel importante na transição energética, destacam, isso limita-se a sectores específicos, onde não se incluem, por exemplo, os edifícios.

Apostar nas comunidades de enegia

O GEOTA defende a aposta no solar descentralizado, em telhados e em zonas industriais, artificializadas ou degradadas. Para isso é preciso haver apoios para os cidadãos e empresas porem em prática o autoconsumo individual e colectivo e das comunidades de energia. “Em Portugal, falta uma maior aposta nas comunidades de energia renovável enquanto instrumentos para uma transição energética justa e participada, por exemplo através de apoio técnico e financeiro a entidades da economia social e autarquias”, disse Miguel Macias Sequeira.

“A meta reforçada de eficiência energética é positiva, mas falta detalhar instrumentos e direccionar financiamento estável para atingir estes objectivos em todos os sectores económicos", afirmou.

A pobreza energética é considerada no PNEC 2030, mas é preciso melhorar para alcançar de facto as famílias vulneráveis, diz o GEOTA. A Zero pede medidas concretas, como a proibição da venda de esquentadores e caldeiras a combustíveis fosseis até 2025, bem como o apoio à compra de bombas de calor e outras soluções mais eficientes.

Quanto aos sectores mais preocupantes, os ambientalistas apontam os transportes, que têm vindo a aumentar as suas emissões de forma consistente. Representam cerca de 30% das emissões nacionais. Em termos de mobilidade, o GEOTA defende um modelo assente "o transporte público de alta qualidade, intermodal e com altas frequências". "Primeiro, têm de ser definidos os padrões de serviço de transporte que queremos, a selecção de investimentos deve decorrer daí e ser custo-eficaz. Não temos dinheiro para fantasias" afirma João Joanaz de Melo, da direcção desta associação.

"Deve garantir-se que todo o processo de transição energética contemplado no plano seja justo e inclusivo, tendo em consideração os sectores mais vulneráveis da população a esta transição", conclui a Zero.