Vivemos mais, mas vivemos mal

A esperança média de vida em Portugal é de 82 anos. A mesma da UE. Mas os anos de vida saudável em Portugal são apenas 58, menos seis anos do que a média europeia.

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Portugal falha na garantia de anos de vida saudável à população. Vivemos mais anos, mas sem qualidade. A esperança média de vida e a vida com saúde dependem de duas grandes políticas: a política de saúde e a política de desenvolvimento. Enquanto país, e nas últimas décadas, temos beneficiado mais de fatores de desenvolvimento em geral do que de uma política de saúde exigente na prevenção e no acompanhamento.

E o resultado é bem visível. Os anos de vida com saúde, em Portugal, não têm acompanhado nem o aumento da longevidade, nem os números médios da União Europeia (UE). A esperança média de vida em Portugal é de 82 anos. A mesma da UE. Mas os anos de vida saudável em Portugal são apenas 58, menos seis anos do que a média da UE. Mais um ranking onde ficamos atrás. Estes são indicadores de uma profunda falha do sistema nacional de saúde.

A proporção de anos de vida saudável depende muito da garantia de assistência médica adequada e da prestação de cuidados e acompanhamento médicos disponíveis e acessíveis. E este indicador mostra que os cuidados médicos não estão a atingir a plenitude do seu propósito. Muita tinta já correu sobre a falta de políticas de prevenção, de filas de espera para consultas e cirurgias, longas e fora do prazo recomendável. Ademais, se falarmos de outro tipo de saúde, a saúde mental, também aqui Portugal está no pódio da generalização de problemas de ansiedade, de consumo de ansiolíticos e de outros indicadores semelhantes. O sistema nacional de saúde está doente, e arrasta com ele os portugueses.

O indicador “anos de vida saudável” conjuga mortalidade com morbilidade, ou seja, com limitações devido a problemas de saúde. Este indicador, divulgado pelo INE, sempre com desfasamento – as “estatísticas de saúde” de 2024 têm dados disponíveis de 2021 e 2022 –, tem por base critérios objetivos (outros indicadores, como, por exemplo, o de bem-estar, são mais subjetivos). Um dado curioso: em Portugal, ao contrário da maior parte dos países da UE, a esperança de anos de vida saudável aos 65 anos é superior nos homens.

O aumento da esperança média de vida é uma conquista civilizacional. Em paralelo, e até a propósito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, fala-se do Serviço Nacional de Saúde (SNS) como uma das marcas da democracia portuguesa. Estabelecido para garantir o direito à proteção da saúde e o acesso universal aos cuidados de saúde, independentemente da condição económica e social dos cidadãos, estaremos perante mais um falhanço de implementação do nosso sistema de saúde? Digo mais um porque a diferença no acesso, na prática, decorrente das condições socioeconómicas, é uma realidade difícil de aceitar, mas factual. Obviamente que falaremos, e bem, da gigante conquista da redução da taxa de mortalidade infantil, ou da redução da taxa de mortalidade materna. Mas não estão estes indicadores, tal como o da esperança de vida, associados também ao próprio desenvolvimento?

É, então, pertinente perguntar: está o sistema de saúde ​a cumprir efetivamente o seu papel? Não me parece. Muitos comentarão que estou a atacar o SNS. Errado. A crítica construtiva vem de quem quer melhorar o sistema, e não há pior inimigo de si próprio do que aquele que não reconhece os problemas. Importa olhar para indicadores como estes que resumem o resultado do sistema.

O sistema de saúde está doente, e com ele a população. Toda uma diferente lógica de prevenção, de efetivos cuidados primários, de cuidados de saúde adequados e atempados é fundamental. Pode-se enganar os eleitores com propaganda, aproveitar-se da iliteracia ou da falta de informação, mas os números não mentem: a esperança média de vida para uma pessoa com 65 anos é de 20 anos, sendo de 18 anos para os homens e de 22 anos para as mulheres. Em contrapartida, a expectativa do número de anos de vida com saúde aos 65 é apenas de oito anos. É este um indicador de sucesso do sistema de saúde? A pergunta que continua a impor-se: é este o estado da saúde que queremos para Portugal?

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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