Não se trata de crise da habitação mas de crise de acesso à habitação

O preço mediano de alojamentos, em 2023, em Portugal foi 1611 €/m2, mais 8,6% do que em 2022. Preços da Grande Lisboa, Algarve, Península de Setúbal, Madeira e Grande Porto estão acima da média.

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Pode ler-se no documento do INE “Estatísticas da construção e habitação em 2023”. O Governo está constantemente a salientar que em 2003 se construíram 127 mil casas e que em 2015 apenas 9 mil. A pergunta que se impõe é: o que aconteceu às casas que se construíram em 2003? Desapareceram? Foram derrubadas? A resposta é: “Não, existem e estão habitadas”. A população em Portugal tem aumentado devido à imigração, mas o número de casas em Portugal responde a esse aumento. O que diminui constantemente é a possibilidade de cada família possuir uma casa, porque não tem dinheiro para a comprar ou garantir a renda.

Num estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) Portugal é o país com mais casas por cada mil habitantes, comparativamente a outros países da UE. Existem 5,859 milhões de fogos espalhados pelo nosso território, mas 12,5%, estão vazios. Este estudo reporta a 2019. Ou seja, nesta altura cerca de 750.000 casas estavam vazias.

Pode ler-se no mesmo estudo que 11,3% dos portugueses com casa arrendada no mercado privado gastam um valor que ultrapassa a taxa de esforço recomendada. Desembolsam mais de 40% do seu rendimento disponível com a habitação. Não é, portanto, razoável que se fale em falta de casas. O que faltam é casas acessíveis ao português comum, principalmente, pelos ordenados que se praticam no nosso país. Pelo que a solução é, por um lado. acabar com a especulação imobiliária e, por outro, rever o poder de compra dos portugueses.

Ora vejamos, se o preço do metro quadrado em Lisboa se situa em média em 2740 € e o valor de construção fixado por portaria 2024 é de 532 €/m2 (Portaria n.º 16/2024, de 23 de janeiro), trata-se de uma especulação imobiliária gritante. As medidas que o Governo apresenta no documento “Construir Portugal” em pouco ou nada irão ajudar a resolver o problema da falta de capacidade dos portugueses de pagarem as suas casas. Estas medidas irão aumentar mais ainda a especulação que se vive, nomeadamente, no valor do preço da construção, pois, com a falta de mão-de-obra na construção civil e a necessidade de construir quase em tempo recorde tantas habitações, farão disparar o preço da construção, e não vão resolver a falta de casas para famílias desfavorecidas. Consequentemente, as casas serão cada vez mais caras, inacessíveis, portanto.

Em 2022, os custos da construção aumentaram quase cinco vezes mais em relação aos cinco anos anteriores. Não só o preço dos materiais de construção, mas também a mão de obra que tem vindo a subir progressivamente, sem nunca baixar desde há mais de 20 anos.

Também num recente estudo do PCS (Portal da Construção Sustentável) é notório que os baixos rendimentos dos portugueses não lhes permite melhorar as condições de habitabilidade de suas casas, muito menos de mudar de casa. E do que os portugueses necessitam, do que todo o ser humano necessita, é de viver em casas confortáveis, bem construídas e que possam pagar. Esta é a base da sustentabilidade. Pelo que o investimento seria em reabilitar, requalificar, renovar o parque urbano existente, em detrimento de nova construção, que significa mais impermeabilização de solo, mais especulação e menos sustentabilidade.

Um outro fator grave é o de, a pretexto da sustentabilidade, se construírem casas mais caras. Recentemente ouvi o presidente da APPII (Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários) referir, num evento público, que a sustentabilidade é cara, como se fosse um luxo. Não há nada mais errado. A sustentabilidade não é um luxo, é economia, sociedade e ambiente. É uma necessidade intrínseca. Do que menos necessitamos em Portugal é de casas de luxo que só são acessíveis a estrangeiros ou a um grupo muito restrito da nossa sociedade. E isso não é sustentabilidade. A sustentabilidade tem de ser acessível a todos. É pôr em prática e tão “aclamada” economia circular, que pode reduzir significativamente as emissões poluentes associadas ao setor da construção e diminuir o consumo de energia em casa. É uma questão importante, porque este setor é responsável por mais de 40% do consumo de energia primária na Europa e por 36% da pegada de carbono europeia (Eurostat, 2020). O que só se consegue com casas bem construídas.

É claro que é crucial acelerar os licenciamentos e dinamizar o mercado de arrendamento, mas muito mais necessário é aumentar a oferta para todos os segmentos do mercado residencial, sobretudo para as classes mais baixas e jovens. É necessário melhorar as condições de habitabilidade dos edifícios existentes, e deixar de chamar sustentável ao que não o é.

É urgente criar incentivos à melhoria das condições de edifícios existentes, não só pela necessidade que se sente no país, mas também pelo caminho que se impõe ao setor da construção, de uma maior sustentabilidade. Construir e reabilitar de forma sustentável é muito mais económico. E é esse o caminho a seguir.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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