“Podemos enfrentar a extinção” da freira-da-madeira, diz representante da SPEA

Ave endémica da Madeira e que está em risco de extinção faz ninhos na zona oriental do maciço montanhoso da Madeira, onde incêndio continua activo. Autoridades não revelam número de crias resgatadas.

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Há cerca de 80 casais reprodutores da freira-da-madeira Filipe Viveiros
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Tal como ocorreu com o incêndio de 2010, as crias de freira-da-madeira voltaram a estar em risco esta semana por causa do incêndio florestal que continua activo na região da ilha onde aquelas aves marinhas nidificam. Endémica da ilha da Madeira, o incêndio pode ter vários níveis de impacto agora e o no futuro para aquela espécie. Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, disse que as crias desta ave foram retiradas e levadas para o Centro das Aves, mas o PÚBLICO não conseguiu obter informação acerca do número de indivíduos que foram resgatados, depois de entrar em contacto com as autoridades.

A freira-da-madeira “é uma espécie muitíssimo ameaçada, com uma população de cerca de 80 casais reprodutores em todo o mundo”, explica Cátia Gouveia, coordenadora da Sociedade Portuguesa para o Estudo de Aves (SPEA), numa conversa por telefone com o PÚBLICO. Nesta quinta-feira, a SPEA alertou para a situação desta ave. “Podemos enfrentar a extinção de uma espécie neste local”, diz a bióloga.

A freira-da-madeira (Pterodroma madeira) adulta vive parte do ano no mar e volta à ilha da Madeira a partir de Maio para se reproduzir. A espécie está em risco de extinção e tem um estatuto de conservação “em perigo”, o segundo pior antes da extinção, de acordo com a Lista Vermelha das espécies da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês).

A ave já terá tido uma distribuição maior no passado na ilha da Madeira, mas a perda de habitat e as ameaças dos predadores introduzidos pelo homem tornaram-na mais restrita. Neste momento, os casais da freira-da-madeira habitam em escarpas a partir dos 1600 metros de altitude, no maciço montanhoso oriental, onde o incêndio florestal iniciado na quarta-feira dia 14 de Agosto tem estado activo nos últimos dias. As aves escavam os ninhos no solo, em patamares de cinco a dez metros de comprimento, que por vezes não ultrapassam um metro de largura, em zonas escarpadas. São áreas “onde é muito difícil actuar a nível de controlo de incêndio”, explica Cátia Gouveia.

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Um juvenil desta espécie de ave marinha Pedro Nascimento

Ao longo da temporada de Verão, cada casal põe um ovo e cuida de uma cria. Anualmente, o número de juvenis que sobrevive e volta para o mar é entre 15 e 20 indivíduos. Depois, os juvenis ficam entre oito a dez anos fora da ilha até voltarem para nidificar, começando a sua vida adulta, que, por paralelo com espécies semelhantes, deverá rondar os 25, 30 anos.

Em 2010, com os incêndios, estima-se que 98% dos juvenis morreram”, recorda a bióloga, adiantando que, só agora, passados 14 anos, é que a população estava a recuperar daquele evento catastrófico.

Fase crítica

Tal como o actual incêndio, o de 2010 também decorreu em Agosto. “Esta é uma altura particularmente preocupante, porque em Agosto é quando os juvenis saíram dos ovos e estão a ser alimentados pelos adultos”, diz a especialista. “Além do impacto directo que o fogo pode ter nos animais, também há o risco de algumas aves inalarem o fumo e ficarem soterradas pelos deslizamentos de terra. Estamos a falar de áreas muito sensíveis, muito pequenas e localizadas, e em que a falta de vegetação acaba por aumentar o risco de deslizamento de terras.”

Em relação ao resgate anunciado pelas autoridades madeirenses, Cátia Gouveia não tem informação acerca do número de crias já resgatadas. Lisete Rodrigues, assessora de imprensa da Secretaria Regional da Agricultura, Pescas e Ambiente, explicou ao PÚBLICO não ter conseguido contactar o responsável pela operação de resgate, por estar no terreno, justificando assim não poder dar números.

De qualquer modo, Cátia Gouveia defende que as crias das freiras-da-madeira não podem ficar longe dos ninhos muito tempo. “Esta é uma fase crítica de crescimento em que as aves precisam de ser alimentadas pelos pais, portanto, também não poderá ser uma solução a longo prazo. Ou seja, elas terão de voltar à colónia”, afirma.

Para a bióloga, o impacto dos incêndios ultrapassa, a nível temporal, o curto prazo. As regiões queimadas arriscam-se a ser colonizadas por plantas invasoras, como a carqueja e a giesta, que entram em combustão mais facilmente, promovendo novos incêndios, além de dificultarem a construção de ninhos por parte das freiras-da-madeira. Por isso, há trabalho a fazer após o fim do incêndio, defende.

“As entidades governamentais terão de direccionar verbas para que [as áreas incendiadas] sejam reflorestadas e para o controlo de plantas invasoras, de modo a que uma floresta mais resiliente tenha mais capacidade de resistir a estes fenómenos”, defende. Até porque estes ambientes degradados são um risco para as outras espécies, incluindo os humanos. “Estamos a falar de montanhas do interior da ilha que, perdendo o seu coberto vegetal, quando começarem as primeiras chuvas, com a erosão, poderá haver um impacto negativo na segurança das populações”, diz a bióloga, referindo-se aos episódios de aluviões.

Cátia Gouveia recorda que as freiras-da-madeira são alvo de protecção máxima, assim como o habitat onde se inserem, que faz parte do Parque Natural da Madeira e é também Rede Natura 2000. Ou seja, as aves marinhas não estão desligadas do seu ambiente, e isso reforça a sua importância: “A freira-da-madeira quase que diria que é uma espécie guarda-chuva, para enaltecer e despertar a atenção para a protecção dos habitats de altitude.”