A literacia em ética e integridade – a prevenção da corrupção

Para erradicar o aproveitamento político e mediático da corrupção, que abala as instituições e a democracia, é elementar que os cidadãos sejam capazes de interpretar a realidade.

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No Relatório Técnico da Agenda Anticorrupção elaborado pela ministra da Justiça do XXIV Governo Constitucional, Rita Júdice, destaca-se o “papel que a educação das gerações mais novas e da formação dos decisores públicos deve desempenhar na criação de uma cultura de integridade e exigência na sociedade civil, que protejam o setor público face a fenómenos corruptivos”.

Em notícia, da autoria de Clara Viana, no PÚBLICO de 14/8/2024, é divulgada uma nova disciplina obrigatória no ensino secundário, com a designação “Literacias”. O artigo avança que esta disciplina será “focada em diversas literacias”, e terá as suas Aprendizagens Essenciais (programas curriculares) homologadas. O Despacho n.º 9128/2024, de 12 de agosto, publicado no Diário da República, 2.ª Série, a que se refere, autoriza a realização de projetos-piloto de inovação pedagógica (PPIP) para a oferta de cursos científico-humanísticos e de cursos profissionais do ensino secundário, em regime de experiência pedagógica, durante três anos. No citado diploma esclarece-se que “os PPIP são concebidos por estabelecimentos de ensino público e privado, mediante convite da Direcção-Geral da Educação, iniciando-se a sua implementação no ano letivo de 2024-2025”.

Tem-se discutido se a literacia anticorrupção nas escolas deve ser uma matéria obrigatória ou não. Segundo Ângela Malheiro, em artigo de opinião no PÚBLICO de 4/4/2023, «a Direção-Geral de Educação constituiu um grupo de trabalho em ordem a produzir um Referencial de Educação para a Transparência e Integridade, a incorporar no domínio dos Direitos Humanos e sobre o qual um recente artigo do PÚBLICO deu conta que a abordagem destes temas na Escola vai ser facultativa. Não se fizeram esperar as reações contrárias a esta decisão, certamente, por se entender que há uma contradição entre o que foi definido em 2021 na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) como prioridade de prevenção e aquilo que na verdade vai ser implementado (…) Até que este tema se venha a tornar um tema obrigatório nas nossas escolas teremos de percorrer um longo caminho à margem das agendas políticas e/ou de experiências pedagógicas sem a devida avaliação que poderão ter consequências negativas para a formação dos nossos jovens e para a vida das respetivas comunidades educativas. A natureza da Educação para a Cidadania, o papel da autonomia das escolas e a ação dos professores são três vetores que podem determinar o sucesso ou o fracasso da abordagem da temática da "corrupção" nas escolas, seja ela aplicada de forma facultativa ou obrigatória».

No caso do ensino secundário, um dos objetivos enunciados no artigo 9.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, é “formar, a partir da realidade concreta da vida regional e nacional, e no apreço pelos valores permanentes da sociedade, em geral, e da cultura portuguesa, em particular, jovens interessados na resolução dos problemas do país e sensibilizados para os problemas da comunidade internacional”. A nosso ver, a elaboração daqueles programas curriculares configura uma oportunidade para a inclusão obrigatória de temas relacionados com a ética, a integridade e a prevenção da corrupção, numa abordagem teórico-prática diferenciada e sustentada em casos concretos, para que os jovens desenvolvam a capacidade de refletir sobre as suas ações no plano individual e coletivo, e consolidem os princípios éticos essenciais previamente adquiridos na educação para a cidadania, que devem reger a sua atuação, atual e futura.

Relembramos que, de acordo com o mais recente Eurobarómetro sobre as “Atitudes dos cidadãos face à corrupção na UE em 2024” (ver artigo do PÚBLICO de 13 de agosto de 2024, da autoria de Liliana Borges), ainda que «poucos inquiridos portugueses tenham testemunhado ou se afirmem vítimas de casos de corrupção, a convicção de que a corrupção está embrenhada nas empresas e na política é mais elevada em Portugal do que a média da União Europeia (em que mais pessoas admitem terem testemunhado ou serem vítimas de corrupção). Enquanto 27% dos europeus, em média, consideram que a corrupção é um problema “raro”, apenas 2% dos portugueses partilham essa opinião. A esmagadora maioria dos portugueses inquiridos, 96%, considera que a corrupção é “comum” em Portugal».

Na Monitorização do III Plano de Ação Nacional de Administração Aberta (2024-27), o Compromisso #7, intitulado “Serviço Educativo para a Cidadania Participativa e Digital”, na resposta à pergunta «Que problema o compromisso pretende resolver?», pode ler-se:

Afastamento dos cidadãos do sistema político e reduzido exercício de cidadania participativa e digital. Segundo o relatório O Estado Global da Democracia 2023, realizado pelo The International Institute for Democracy and Electoral Assistance (International IDEA), a democracia tem vindo a contrair-se em todas as regiões do mundo, em metade dos países que integram o relatório, verificaram-se declínios em pelo menos um indicador de desempenho democrático. A Europa continua a ser a região com melhor desempenho do mundo, liderada por uma série de democracias consolidadas. No entanto, a partir destes níveis iniciais elevados, registaram-se declínios significativos em indicadores específicos de desempenho democrático em muitas destas democracias estabelecidas, como Áustria, Hungria e Polónia, sinalizando que é necessário atuar para contrariar esta tendência. É referido que um total de 17 países, sofreram erosão nos indicadores democráticos analisados, nos últimos cinco anos, e Portugal não foi exceção, depois de, em 2020, ter registado uma queda em três dos parâmetros que medem a qualidade das democracias. Portugal, apesar de tudo, mantém-se como uma democracia saudável, embora partilhe com outros países europeus algum défice na componente da corrupção e na falta de maior abertura à participação dos cidadãos nas decisões governativas.

Se queremos erradicar o aproveitamento político e mediático da corrupção, que tem abalado a credibilidade das nossas instituições e a estabilidade da democracia, é elementar que os cidadãos sejam capazes de interpretar a realidade com um nível de conhecimento bastante para a sua adequada compreensão. E para responder à questão “Qual é a causa do problema?”, identificar as fontes do problema, explicar as causas do problema e fornecer informação credível.

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