Por que razão a mpox é outra vez uma emergência e quão preocupados devemos estar?

O que é o vírus da infecção mpox? Por que se chama assim? Como se previne e trata esta infecção? – estas são algumas das perguntas a que procuramos dar resposta.

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O vírus que causa a mpox, uma forma de varíola NIAID
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A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou na semana passada que um novo surto de mpox, uma infecção viral que se espalha através de contacto próximo, representa uma emergência internacional de saúde pública pela segunda vez em dois anos. A primeira vez tinha sido a 23 de Julho de 2022, vigorando até Maio de 2023​. Antes designada por varíola-dos-macacos, ou monkeypox, a OMS decidiu mudar o nome da infecção no final de 2022, porque aquela nomenclatura remetia sobretudo para uma doença em África, o que não é exacto. Vejamos o que significa a declaração de emergência internacional de saúde pública.

O que é a mpox?

A mpox é uma infecção viral que provoca sintomas semelhantes aos da gripe e lesões com pústulas. Os principais sintomas da doença podem incluir, além de lesões com pústulas na pele ou mucosas, queixas anogenitais, febre, dores de cabeça, cansaço, dores musculares e gânglios linfáticos aumentados, explica-se, por sua vez, no site do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da Universidade Nova de Lisboa, que acompanha o desenvolvimento da doença e a possível propagação na Europa e, especificamente, em Portugal​. “As lesões evoluem de manchas planas (máculas) para pápulas, vesículas, pústulas e, por fim, úlceras e crostas que caem.”

Embora esta infecção seja normalmente ligeira, pode matar. As crianças, as mulheres grávidas e as pessoas com sistemas imunitários enfraquecidos, como as pessoas com o vírus da imunodeficiência humana (VIH), correm um maior risco de complicações.

“A mpox é uma doença zoonótica, o que significa que se pode transmitir de animais para humanos. Pensa-se que o reservatório natural seja os roedores e várias espécies de mamíferos podem servir de hospedeiros intermediários. Esta doença também se transmite entre humanos”, acrescenta-se no site do IHMT sobre esta forma de varíola.

A OMS declarou o surto recente da doença como uma emergência internacional de saúde pública depois de uma nova variante do vírus mpox, identificada pela primeira vez na República Democrática do Congo, ter começado a propagar-se a países vizinhos.

A mpox transmite-se através de contacto físico próximo, incluindo contacto sexual. Não há provas de que se propague facilmente através do ar, embora exista algum potencial para transmissão através de gotículas respiratórias que está a ser estudado. A transmissão do vírus mpox entre humanos ocorre por contacto com pele lesionada, mucosas (ocular, nasal, oral, genital, anal), ou por contacto próximo, especialmente face a face sem protecção, e durante relações íntimas prolongadas, incluindo relações sexuais”, refere ainda o site do IHMT. “Além disso, pode ocorrer através de objectos contaminados (roupas, utensílios) ou do contacto directo com lesões de pele, pus, crostas e fluidos corporais de uma pessoa infectada”, acrescenta-se.

A nova variante (ou clado) causou alarme a nível mundial porque parece propagar-se mais facilmente entre as pessoas.

O que é uma emergência sanitária global?

Uma Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional (PHEIC, na sigla em inglês) é a forma mais elevada de alerta da OMS. É anunciada quando as doenças se estão a propagar de formas novas ou invulgares e tem por objectivo mobilizar a cooperação internacional e o financiamento para fazer face a um surto.

A declaração da OMS segue-se a um estatuto semelhante declarado no início da semana passada, pelos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças de África (CDC de África).

Por que razão a mpox é novamente uma emergência global de saúde?

Há dois anos, a OMS declarou que a mpox era uma emergência quando o vírus começou a espalhar-se por todo o mundo, principalmente entre homens que fazem sexo com homens.

Esse surto foi controlado através de mudanças de comportamento e práticas sexuais seguras, bem como as vacinas, que ajudaram as pessoas em risco a protegerem-se em muitos países.

Mas a mpox tem sido um problema de saúde pública em algumas zonas de África durante décadas. O primeiro caso humano registou-se no então Zaire (actual República Democrática do Congo) em 1970 e, desde então, tem havido surtos.

O actual surto, o pior de sempre na República Democrática do Congo, já registou 27 mil casos e mais de 1100 mortes desde Janeiro de 2023, sobretudo entre as crianças.

Duas estirpes de mpox estão agora a espalhar-se no Congo –​ a forma endémica do vírus, clado Ia (ou 1a), e uma nova ramificação chamada clado Ib” (ou 1b), com o termo “clado” a referir-se a uma forma do vírus. A nova variante já se deslocou do Leste do Congo para o Ruanda, Uganda, Burundi e Quénia.

Na última quinta-feira, a Suécia notificou o primeiro caso da nova forma, clado Ib, fora de África. Um porta-voz da OMS disse que esse caso reitera a necessidade de parceria e que a agência continua a aconselhar restrições de viagem para impedir a propagação da mpox.

Na sexta-feira, o Paquistão confirmou um caso do vírus mpox num paciente que tinha regressado de um país do Golfo Pérsico. O Ministério da Saúde do país informou, já nesta segunda-feira, que esse caso pertence ao mesmo clado que já vinha a espalhar-se globalmente desde 2022, acrescentando que nenhum caso do novo clado Ib da doença foi diagnosticado.

O que acontece agora?

Os cientistas esperam que a declaração de emergência acelere os esforços para fazer chegar ao Congo mais instrumentos médicos e financiamento para ajudar as autoridades locais a combater o surto. É necessária uma melhor vigilância para estudar o vírus e ajudar a travar a sua propagação.

Mas, em 2022, um apelo da OMS no sentido de obter 34 milhões de dólares (30,7 milhões de euros) para combater a mpox não foi aceite pelos doadores e houve uma enorme desigualdade em relação a quem tinha acesso às doses da vacina. Os países africanos não tinham acesso às duas vacinas utilizadas no surto global, fabricadas pela Bavarian Nordic e pela KM Biologics. Dois anos mais tarde, essa situação mantém-se, embora haja esforços para a alterar, afirmou a OMS na quarta-feira, ao apelar a doações de doses por parte de países com reservas. Os CDC de África disseram que têm um plano para garantir as doses, sem elaborar mais, mas as reservas são actualmente limitadas.

O que se passa com as vacinas?

A dinamarquesa Bavarian Nordic, uma das poucas empresas farmacêuticas que dispõe de uma vacina contra a mpox, já informou os CDC de África de que pode fabricar dez milhões de doses até ao final de 2025, podendo já fornecer até dois milhões este ano.

A empresa disse ainda que está a expandir a sua rede de produção para incluir África e está preparada, em colaboração com os CDC de África e a OMS, para tornar a vacina acessível a todos os países. “Já dispomos de uma capacidade significativa e podemos entregar facilmente todas as doses necessárias para o surto”, garantiu um porta-voz da Bavarian Nordic através de email. “Mas precisamos de alguém para comprar as doses.”

Para a União Europeia, a Bavarian Nordic disse ainda, na sexta-feira, que pretende obter a aprovação para alargar a sua vacina (denominada Jynneos) contra a mpox aos adolescentes. Para tal, a empresa dinamarquesa informou que apresentou dados à Agência Europeia de Medicamentos, o regulador dos medicamentos da União Europeia, para alargar o uso da vacina a adolescentes dos 12 aos 17 anos.

Quanto à KM Biologics, com sede no Japão, a empresa afirmou, também por email, que iria cooperar com a OMS.

Fora de ensaios clínicos, nenhuma das vacinas foi disponibilizada no Congo ou em toda a África, onde a doença é endémica há décadas.

A Aliança Global para as Vacinas (Gavi) tem até 500 milhões de dólares (452 milhões de euros) para gastar na distribuição de vacinas nos países afectados pelo surto de mpox em África, referiu Sania Nishtar, a sua directora executiva, à agência Reuters.

A Gavi ajuda os países com menos recursos a comprar e a distribuir vacinas, normalmente para doenças infantis como o sarampo, mas alargou os seus esforços durante a pandemia de covid-19. O dinheiro está disponível no fundo First Response da organização, criado nos primeiros tempos da covid. Pode ser usado para responder a emergências de saúde, como a declarada na semana passada pela OMS e pelos CDC de África. “O dinheiro para as vacinas está pronto a ser utilizado”, garantiu Sania ​Nishtar, que adiantou ainda que a Gavi está em negociações com a Bavarian Nordic e a KM Biologics, mas que as encomendas oficiais só podem avançar depois da aprovação pela OMS.

A Gavi está também a coordenar a sua acção com os Estados Unidos, que têm 50 mil doses disponíveis para doação. A Bavarian Nordic também doou 15 mil doses.

Segundo o ministro da Saúde do Congo, Samuel Roger Kamba Mulamba, em declarações esta segunda-feira, o país espera receber as primeiras doses de uma vacina contra a mpox na próxima semana, depois de os Estados Unidos e o Japão terem prometido que vão ajudar a combater o surto. “A Gavi ofereceu-se para disponibilizar as vacinas e nós concordámos”, declarou o ministro da Saúde congolês, que, na semana passada, tinha dito que o seu país precisava de três milhões de doses de vacinas.

Em Portugal, que vacinas temos para esta forma de varíola?

Além de existir uma vacina contra a varíola comum, com uma estirpe atenuada e que não se replica do vírus, o surto de mpox em 2022 levou o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento a autorizar o uso excepcional em Portugal da vacina para a mpox. Desde que a vacinação foi autorizada em Portugal, em Julho de 2022, houve mais de 9300 pessoas inoculadas. Mas apenas 1135 pessoas tomaram a vacina em 2024. Este ano, registaram-se apenas 17 casos confirmados de mpox em Portugal, mas houve duas mortes.

Até que ponto devo preocupar-me?

As taxas de mortalidade variam e dependem em grande medida dos cuidados de saúde disponíveis para os doentes mais graves. No Congo, neste surto, a taxa de mortalidade tanto no clado Ia como no clado Ib foi de cerca de 4%. O clado Ia, que se propagou a nível mundial, foi muito menos mortal.

No entanto, a varíola não é a covid-19. Já há ferramentas que comprovadamente funcionam para travar a propagação (as vacinas, que no início da pandemia pelo vírus SARS-CoV-2 não existiam) e ajudar as pessoas em risco e, além disso, não se propaga tão facilmente. O desafio actual, que as declarações de emergência pretendem realçar, é garantir que estas ferramentas cheguem a quem mais precisa delas, no Congo e nos países vizinhos.

Como se trata a infecção?

Geralmente, o tratamento da mpox é focado na hidratação e no alívio de sintomas, como a dor e a febre, explica ainda o site do IHMT: “Em casos mais graves, pode ser necessário internamento hospitalar, sempre dependendo da avaliação clínica individual. O antiviral Tecovirimat também está indicado e aprovado para o tratamento da doença.”

E como se previne?

Como explica ainda o IHMT, a prevenção da mpox passa por evitar contacto próximo com pessoas infectadas, lesões cutâneas e objectos pessoais contaminados, além de desinfectar as mãos e usar máscaras ao interagir com casos suspeitos. Isto, claro, para além das vacinas.