Primeiro-ministro do Japão vai deixar o cargo em Setembro

Decisão de Kishida põe fim a mandato de três anos marcado por escândalos, aumento do custo de vida e gastos recorde com a defesa do país. Decisão desencadeia corrida para escolher próximo líder.

Foto
Fumio Kishida durante a conferência de imprensa em que anunciou a sua decisão de não continuar no cargo de primeiro-ministro do Japão PHILIP FONG / VIA REUTERS
Ouça este artigo
00:00
05:33

O primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, deixará o cargo no próximo mês, sucumbindo ao descontentamento público em relação aos escândalos políticos e ao aumento do custo de vida no país, problemas que prejudicaram o seu mandato de três anos.

“A política não pode funcionar sem a confiança do público. Tomei esta pesada decisão a pensar no público, com a forte vontade de fazer avançar a reforma política”, declarou Kishida numa conferência de imprensa para anunciar a sua decisão de não entrar para a corrida de reeleição como líder do Partido Liberal Democrático (LDP). “Para mostrar à população que o LPD está a mudar, são importantes eleições limpas e abertas, debate livre e vigoroso. O primeiro passo para mostrar que o LDP vai mudar é o meu afastamento.”

De acordo com o sistema parlamentar do Japão, o dirigente do partido governante (ou o líder de uma coligação) torna-se primeiro-ministro. No pós-Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro japonês tem sido sempre do LDP de Kishida, que realiza eleições internas para escolher (ou reeleger) um líder a cada três anos. A próxima eleição deve ser realizada já em Setembro.

A popularidade de Kishida começou a cair a pique logo em 2021, ano em que assumiu o cargo, quando vieram a público informações sobre ligações entre ministros e membros de topo do Partido Liberal Democrático e a Igreja da Unificação. Quando a notícia de que doações políticas não registadas tinham sido feitas em eventos de angariação de fundos do LDP, a popularidade do chefe do Governo atingiu novos mínimos.

Embora fosse conhecida do grande público há algum tempo, a influência do poderoso e controverso grupo religioso no maior partido do Japão transformou-se numa fonte de grande desconfiança junto do eleitorado, depois do assassínio do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, num comício em Nara, há dois anos.

Kishida também enfrentou, durante meses a fio, o descontentamento da opinião pública por causa do aumento do custo de vida, da inflação e da estagnação dos salários, numa altura em que a quarta maior economia do mundo estava finalmente a sair de anos de pressão deflacionista.

“Um primeiro-ministro em exercício do LDP não pode concorrer novamente, se não tiver a certeza da vitória. Não basta ganhar, é preciso ganhar com elegância”, disse Koichi Nakano, professor de Ciência Política na Universidade de Sophia, em Tóquio.

Durante meses, o apoio público a Kishida e ao seu Governo ficou abaixo dos 30% nas sondagens de opinião, o que normalmente é visto como um gatilho para novas eleições ou uma mudança de liderança. O primeiro-ministro fez várias tentativas para recuperar a confiança da população, incluindo legislação para mudar as regras de financiamento das campanhas políticas, mas acabou “sem cartas para jogar”, disse Harumi Arima, um analista político independente ao New York Times. “Decidiu ser responsável e deixar o futuro com o próximo líder.”

Gastos recorde com a defesa

Durante o mandato enquanto oitavo dirigente mais longevo do país no pós-guerra, Kishida rompeu com a política económica anterior, abandonando estratégias orientadas para os lucros das empresas em favor de políticas destinadas a aumentar os rendimentos das famílias.

Tirou o Japão da pandemia de covid-19 com estímulos financeiros e nomeou o académico Kazuo Ueda para a presidência do Banco do Japão (BOJ), para tentar acabar com o estímulo monetário radical do seu antecessor. Mas em Julho o BOJ aumentou inesperadamente as taxas de juro à medida que a inflação se instalava, contribuindo para a instabilidade do mercado e para a subida acentuada do iene.

O primeiro mandato de Kishida também foi marcado por mudanças rápidas na segurança que levaram o Japão a rever a sua política tradicionalmente pacifista. O primeiro-ministro anunciou a maior expansão da força militar do Japão desde a Segunda Guerra Mundial, com o compromisso de duplicar a despesa com a defesa para impedir a vizinha China de prosseguir as suas ambições territoriais na Ásia Oriental.

Com o incentivo de Washington, Kishida também restabeleceu as relações tensas do Japão com a Coreia do Sul, permitindo que os dois países e o seu aliado mútuo, os EUA, cooperassem em matérias de segurança para combater a ameaça representada pelos programas de armas nucleares e de mísseis da Coreia do Norte.

Próximo líder

Quem suceder ao actual primeiro-ministro como líder do partido terá não só de restaurar a confiança dos japoneses, mas também de enfrentar o problema do aumento do custo de vida, a escalada das tensões geopolíticas com a China e o potencial regresso de Donald Trump como Presidente dos EUA no próximo ano.

O antigo ministro da Defesa Shigeru Ishiba já se apresentou como possível substituto de Kishida, afirmando que gostaria de “cumprir o seu dever”, caso reúna apoio suficiente, segundo noticiou a estação pública de televisão NHK. Os candidatos precisam de pelo menos 20 assinaturas de parlamentares do LDP para concorrer à liderança do partido. Outros nomes que têm sido apontados como potenciais candidatos incluem o ministro do Digital, Taro Kono, e o antigo ministro do Ambiente Shinjiro Koizumi.

A disputa pela presidência do PLD também pode incluir candidatas mulheres, aumentando a possibilidade de o Japão ter uma mulher como primeira-ministra pela primeira vez.

A ministra da Segurança Económica ultraconservadora, Sanae Takaichi, e a ex-ministra dos Assuntos Internos Seiko Noda concorreram contra Kishida na disputa pela liderança do partido em 2021 e podem decidir concorrer novamente, embora não seja claro se conseguirão garantir o apoio necessário para entrar na corrida. A ministra dos Negócios Estrangeiros, Yoko Kamikawa, também poderá ser uma potencial candidata.

Os especialistas dizem que se o LDP quer sobreviver a umas eleições gerais (que deverão ter lugar em meados de 2025) terá de escolher uma cara nova que rompa com os escândalos que têm afectado o partido. “Se o LDP escolher o seu próximo líder ignorando as críticas públicas contra os escândalos de financiamento, o partido poderá sofrer uma derrota esmagadora”, disse o analista político Atsuo Itosa à Reuters. Com agências

Sugerir correcção
Comentar