Calor matou 47 mil pessoas na Europa em 2023, diz estudo. Portugal com 1432 vítimas

Cientistas dizem que número de vítimas teria sido 80% superior sem medidas como sistemas de alerta precoce e melhoria nos cuidados de saúde. Portugal está no top 10, com 1432 mortes por calor em 2023.

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Portugal surge no sexto lugar dos países europeus com mais mortes por milhão de habitantes com 136 vitimas GettyImages
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Mais de 47 mil pessoas morreram na Europa devido às temperaturas escaldantes em 2023, sendo os países do Sul da região os mais atingidos, de acordo com um relatório do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) publicado na Nature Medicine nesta segunda-feira. Ajustando os dados à população, a Grécia, a Bulgária, a Itália e a Espanha foram os países com as taxas de mortalidade mais elevadas relacionadas com o calor. O estudo indica que em Portugal foram registadas 1432 mortes em 2023, traduzindo o número de vítimas para 136 por milhão de habitantes.

O ano passado foi o mais quente de que há registo no mundo. À medida que as alterações climáticas continuam a aumentar as temperaturas, os europeus vivem no continente que regista o aquecimento mais rápido do mundo, enfrentando riscos crescentes para a saúde decorrentes do calor intenso.

Nos quadros de mortalidade associada ao calor, Portugal surge no sexto lugar dos países com mais mortes por milhão de habitantes, com 136 vítimas, sendo que os cientistas precisam que as mulheres são mais vulneráveis (143 por milhão) dos que os homens (103). No topo desta tabela, encontra-se a Grécia, com um total de 393 mortes por milhão de habitantes.

Estes resultados fazem com que Portugal também surja na lista dos países com mais mortes atribuíveis ao calor, desta vez na nona posição, com um total de 1432 vítimas. A lista é encabeçada pela Itália, que terá registado em 2023 um total de 12.743 mortes, sendo clara a diferença de vulnerabilidade entre géneros, com 8388 vítimas do sexo feminino e 4436 homens.

O número total de mortes em 2023 – inferior às mais de 60 mil mortes relacionadas com o calor estimadas para o ano anterior – teria sido 80% superior sem as medidas introduzidas nos últimos 20 anos para ajudar as pessoas a adaptarem-se ao aumento das temperaturas, tais como sistemas de alerta precoce e melhorias nos cuidados de saúde, de acordo com o relatório do centro de investigação espanhol.

"Os nossos resultados mostram como houve processos de adaptação da sociedade às altas temperaturas durante o presente século, que reduziram drasticamente a vulnerabilidade relacionada com o calor e a carga de mortalidade dos Verões recentes, especialmente entre os idosos", afirmou Elisa Gallo, investigadora do ISGlobal e principal autora do estudo.

"Por exemplo, vemos que, desde 2000, a temperatura mínima de mortalidade – a temperatura óptima com o menor risco de mortalidade – tem vindo a aquecer gradualmente em média no continente, de 15 graus Celsius em 2000-2004 para 17,7 graus Celsius em 2015-2019. Isto indica que somos menos vulneráveis ao calor do que éramos no início do século, provavelmente em resultado do progresso socioeconómico geral, de melhorias no comportamento individual e de medidas de saúde pública, como os planos de prevenção do calor implementados após o Verão recorde de 2003", acrescenta Elisa Gallo.

Os investigadores utilizaram registos de mortes e temperaturas de 35 países europeus. Calculam que 47.690 pessoas morreram devido a causas relacionadas com as temperaturas elevadas.

Sul da Europa mais afectado

O comunicado de imprensa sobre o estudo refere que os investigadores reproduziram a metodologia utilizada no ano passado num outro artigo publicado na revista Nature Medicine, que estimava que o calor causou mais de 60.000 mortes durante o Verão de 2022, o que representou a maior carga de mortalidade relacionada com o calor da última década. "Em suma, os investigadores utilizaram registos de temperatura e mortalidade de 823 regiões em 35 países europeus para o período 2015-2019 para ajustar modelos epidemiológicos para estimar a mortalidade relacionada com o calor em cada região europeia durante todo o ano de 2023."

Assim, nota o documento, "em contraste com o Verão de 2022, que se caracterizou por temperaturas extremas persistentes na parte central da estação, de meados de Julho a meados de Agosto, não foram registadas grandes anomalias térmicas durante as mesmas semanas em 2023. No entanto, dois episódios de temperaturas elevadas em meados de Julho e finais de Agosto teriam sido responsáveis por mais de 57% da mortalidade global estimada, com mais de 27.000 mortes.

Os países do Sul da Europa foram os mais afectados. "Os resultados mostram um total de 47.690 mortes estimadas em 2023 no conjunto dos 35 países, das quais 47.312 mortes teriam ocorrido no período mais quente do ano (entre 29 de Maio e 1 de Outubro)". "Tendo em conta a população, os países com as taxas de mortalidade mais elevadas relacionadas com o calor situam-se no sul da Europa, nomeadamente a Grécia (393 mortes por milhão), a Bulgária (229 mortes por milhão), a Itália (209 mortes por milhão), a Espanha (175 mortes por milhão), Chipre (167 mortes por milhão) e Portugal (136 mortes por milhão)."

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Idosos são das maiores vítimas do calor GettyImages

Mulheres e idosos mais vulneráveis

Tal como se concluiu em anos anteriores, "os dados revelam uma maior vulnerabilidade das mulheres e das pessoas mais velhas". "Especificamente, após ter em conta a população, a taxa de mortalidade relacionada com o calor foi 55% mais elevada nas mulheres do que nos homens e 768% mais elevada nas pessoas com mais de 80 anos do que nas pessoas com idades compreendidas entre os 65 e os 79 anos."

Apear deste resultado, os autores admitem que os dados obtidos poderem "subestimar a carga real de mortalidade relacionada com o calor". A falta de registos diários e homogéneos de mortalidade durante o ano de 2023 levou a equipa a recorrer às contagens de mortes do Eurostat. "Num estudo recente publicado na revista Lancet Regional Health– Europe, os mesmos autores mostraram que a utilização de dados semanais conduziria a uma subestimação da carga de mortalidade relacionada com o calor e descreveram uma metodologia para corrigir este enviesamento", recordam os autores na nota da imprensa.

Assim, feito um acerto de contas, os investigadores estimam que "o número provável de mortes relacionadas com o calor em 2023 poderia ter sido, na realidade, da ordem das 58.000 mortes nos 35 países estudados, embora uma estimativa mais exacta só pudesse ser obtida se fossem disponibilizadas à comunidade científica bases de dados de mortalidade melhoradas".

Mais uma vez, o estudo agora publicado serve para sublinhar a urgência de agir perante a imparável curva do aumento de temperaturas, com recordes a serem batidos atrás de recordes durante sucessivos meses. "Em 2023, quase metade dos dias excedeu o limiar de 1,5ºC estabelecido pelo Acordo de Paris, e a Europa está a aquecer a um ritmo duas vezes mais rápido do que a média global. As projecções climáticas indicam que é provável que o limite de 1,5ºC seja ultrapassado antes de 2027, o que nos deixa uma janela de oportunidade muito pequena para agir", afirma Joan Ballester Claramunt, investigador principal do programa EARLY-ADAPT do Conselho Europeu de Investigação (ERC).

O cientista reforça que os limites ao aquecimento global são números para levar a sério, a barreira de 1,5 graus Celsius tem uma razão de ser. "Temos de ter em conta que os limites inerentes à fisiologia humana e à estrutura da sociedade são susceptíveis de estabelecer um limite para o potencial de adaptação no futuro. É urgente implementar estratégias destinadas a reduzir ainda mais o peso da mortalidade dos próximos Verões mais quentes, juntamente com uma monitorização mais abrangente dos impactos das alterações climáticas nas populações vulneráveis. Estas medidas de adaptação devem ser combinadas com esforços de atenuação por parte dos governos e da população em geral para evitar que se atinjam pontos de inflexão e limiares críticos nas projecções de temperatura", acrescenta, citado na nota de imprensa.