“Estes gajos são campeões olímpicos e dizem que o Fernando Pimenta é que é a lenda?”

O canoísta falou da frustração de uma final perdida e da boa consolação de ser considerado um “número um” da canoagem.

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O canoista português Fernando Pimenta disputou a final de K1 1000 HUGO DELGADO / LUSA
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Quando Fernando Pimenta cortou a meta da final do K1 1000 metros, na qual ficara em sexto, não levou assim tanto tempo a encarar os jornalistas. Frustrado, mas talvez menos do que naquela infame final do Rio de Janeiro em 2016 e das algas no lago, mas o mundo da canoagem sabe quem ele é e o que fez, mesmo nunca tendo sido campeão olímpico. Quando Pimenta estava a começar a falar, Lisa Carrington, a neozelandesa com oito medalhas de ouro (três delas em Paris) passou por ele e cumprimentou-o.

Esse cumprimento foi tema entre o canoísta e os jornalistas portugueses, e Pimenta diz que não é a primeira vez que acontece. “Ainda há 15 dias durante o Mundial de Sub-23 recebi mensagens de colegas meus, quer portugueses, quer de outros atletas que treinam comigo durante o ano, grandes ícones da canoagem mundial que estão agora a chefiar as equipas técnicas de grandes seleções como Austrália e Hungria, que diziam que eu era a lenda. E eu olho para eles e penso, 'Então mas estes gajos é que são os campeões olímpicos e estão a dizer que o Fernando Pimenta é que é a lenda?'”, revelou Pimenta.

Esse reconhecimento, diz, foi a parte boa. “Até ao momento, desde que terminei a prova, não houve nenhum treinador das outras selecções que não tivesse dito, nada mais, nada menos, de que eu merecia melhor, que, para eles, continuava a ser um dos números um da canoagem mundial e quando temos reconhecimento de outras equipas de grandes potencias, só posso estar feliz”, disse.

A parte competitiva é que foi pior. O trabalho, refere, esteve ao nível do melhor que já fez, mas os resultados não coincidiram com as suas sensações: “Acho que quanto mais eu me esforço, mais depressa o resultado desaparece, e não posso estar desiludido ou triste comigo, tenho sem dúvida a consciência tranquila de que dei o meu melhor.”

Grande parte da frustração de Pimenta em Paris passou pela falta de recompensa pelos sacrifícios que fez. “Passei muito tempo da minha família, longe dos meus pequeninos, abdiquei dos meus filhotes muitos dias, acho que com eles só estive um mês no último ano, se tanto. Consegui falhar as festinhas de escola da minha filha praticamente todas, isso como é obvio parte-me o coração e depois chegar aqui e não conquistar o resultado que tínhamos ambicionado…”

Na cabeça de Pimenta, tudo correu como planeado, excepto os últimos metros. “Na semifinal, senti-me muito bem, muito tranquilo e sentia-me confortável, durante a prova senti-me a controlar, a fazer tudo o que o treinador tinha pedido, tentar a lançar sempre o caiaque, a pressionar à frente. Infelizmente, na parte final faltou-me a força, faltou-me a energia, acabei afastado do pódio. Nos últimos metros senti impotência e frustração, porque queria e tentei dar mais, mais, mais, e o corpo não respondia, comecei a desequilibrar, a apanhar com ondas do checo.”

E qual das finais foi mais frustrante, a do Rio, em que foi quinto, ou a de Paris, em que foi sexto? Ambas, mas por motivos diferentes. “Uma porque foi um factor externo que me retirou o acesso à medalha, muito provavelmente já podíamos estar a falar de um Fernando Pimenta que tinha três medalhas e que se calhar tinha condições para lutar pela quarta. Agora, fui eu. Fui eu.”

A falta de um título olímpico pode ser um buraco no currículo, mas não é por isso que Fernando Pimenta se sente incompleto, como atleta e como homem. “Tenho construído um bom legado. Como amigos e colegas me têm dito, um atleta não é só feito de resultados desportivos, é também feito pelo seu legado, pela sua personalidade e depois também por outra coisa que tenho vindo a construir que é a família. Há muitos atletas que conseguem construir uma grande carreira desportiva mas depois não conseguem construir uma família e eu felizmente estou a construir uma família bonita e sólida. Essas são as medalhas mais importantes que posso ter.”

E Pimenta, o homem de família com 45 medalhas, ainda tem fôlego para dar mais dimensão à lenda? “Agora é estar com a família, desfrutar da família porque foi aquilo do qual abdiquei imenso e é a parte que mais me custou até hoje, do meu filhote, da minha filhota porque eles também sofreram imenso como devem calcular entre choros e sorrisos, contra voltava a casa. Isso é o que mais me custa, estar longe dos meus filhotes, ver a minha mulher ser pai e mãe ao mesmo tempo a aguentar o barco e agora é estar um bocadinho com eles, agradecer o apoio e voltar à água para fazer umas desforras.”

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