O rival caiu e Leitão diz que preferiu esperar. Não queria um ouro assim

O português fez questão de saber que o francês estava bem e que poderiam discutir o ouro de forma justa. “Seria injusto ele perder o ouro daquela forma. Quis ter a certeza de que ele estava bem”.

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Iuri Leitão no pódio em Paris HUGO DELGADO / LUSA
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A partir desta quinta-feira, Iúri Leitão é o homem que preferiu abdicar de uma possível medalha ouro do que ganhá-la com contribuição de uma queda alheia. Depois da prata conquistada em Paris, no ciclismo de pista, o que sai da conversa do minhoto com os jornalistas não pode ser outra coisa que não a demonstração de fair-play do português, que não quis dormir mal com a sua consciência.

Nunca diz que abdicou do ouro, porque isso seria deselegante (e o francês voltaria sempre à prova, como estipula o regulamento), mas assume que abrandou para perceber como estava o rival, sem ir ao sprint seguinte buscar pontos e sem endurecer o ritmo da corrida. Foi um ciclista de prata com atitude de ouro.

A pergunta foi simples: “Quando o francês caiu, pareceu que abdicaste de ir sprintar. Foi assim?”. E a resposta foi simples também: “Fiz questão de saber que ele estava bem e que poderíamos discutir o ouro de forma justa. Ele teve um azar. Seria injusto ele perder o ouro daquela forma. Quis ter a certeza de que ele voltava e que estava bem. Na minha consciência fiquei aliviado quando soube que ele estava ok e poderíamos continuar a nossa batalha. Foi o mais justo”.

Leitão apontou ainda que “o francês estava mais forte e não havia nada a fazer”, num misto de resignação com a perda do ouro e orgulho pela conquista da prata.

O sino dificultou o ouro?

Falar do que falhou no ouro depois de uma prata conquistada pode roçar a heresia, sobretudo quando se pôde ver a força tremenda de Benjamin Thomas – que foi buscar o ouro depois de uma queda. Mas, com o que se passou na prova de eliminação, fica no ar a questão: será que se não fosse isso poderia ter havido ouro?

Leitão foi eliminado nessa prova depois de não ter ouvido o sino indicador de sprint – sino que existiu, mas que alguns corredores se queixam de ter sido demasiado baixo.

“Não ouvi a campainha. Naquela volta até ia bastante descontraído, a avaliar a situação e o que tinha de fazer. Ia a sentir-me bastante bem ainda. Não vou dizer que não foi culpa minha, porque não ouvi a campainha. Mas muita gente também não ouviu. Mas não há nada a fazer. Na altura, a prova mais importante ainda estava por vir e não valia a pena martirizarmo-nos por isso”.

A roda partida e a queda no treino

Leitão contou ainda duas novidades. A primeira é que partiu a roda no início da terceira prova do omnium: "Vou contar-vos uma novidade: eu logo no início da prova parti a roda. Fiz um buraco gigante na roda. É uma prova muito violenta".

A segunda revelação foi que teve uma queda há três semanas que lhe provocou algumas lesões no corpo. Mas não quis que ninguém soubesse - nem o país, nem, por extensão, os adversários.

"Tive uma queda a descer depois de um treino. Tentei manter o máximo sigilo possível, para isso não afectar nem a minha cabeça, nem espalhar isso para os adversários e os portugueses. Tentei manter para mim e muitos dos meus colegas nem sabem. Vão saber agora...", disparou, bem disposto.

"Fazemos omeletes mais bonitas"

O ciclista português diz ainda que não sabe bem o que esta medalha significa, mas que não crê que vá mudar muita coisa na sua vida. "Não sei o que esta medalha significa. É só mais uma corrida. Mas estou muito feliz por estar aqui. E trazer este resultado é especial. Só ainda não sei quão especial é", apontou.

E detalhou: "Acho que não vai mudar grande coisa. Faço o meu trabalho como sempre. No ano passado fui campeão do mundo, neste ano confirmei o meu lugar nos melhores do mundo. Mas não vai mudar grande coisa".

"É, sem dúvida, o ponto mais alto onde o ciclismo de pista já esteve, mas ainda temos de fazer mais como equipa, pais, federação. Sinto-me honrado por ser eu o representante que está aqui de medalha ao peito, a dar esta alegria a Portugal. Mas ainda temos muito trabalho pela frente".

E disse que falta investimento, apesar de reconhecer que já tem havido mais apoios. "As condições têm vindo a ser melhoradas, muito por culpa do nosso trabalho redobrado. Temos feito omeletes sem ovos, como se costuma dizer em Portugal. Cada vez nos dão mais ovos, para fazermos omeletes mais bonitas. E já estamos a começar a fazer bolos. Quem sabe se não podemos fazer algo melhor mais tarde".

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