A última luta: Mijaín ganha o ouro, bate Phelps e sai no auge

Aos 42 anos, veio a Paris numa luta contra si próprio. Por isso é que garantiu ao PÚBLICO que não volta mais. Sai, 20 anos depois, como campeão da longevidade, batendo Phelps. Chama-se saber sair.

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Mijain Lopez celebra em Paris Kim Kyung-Hoon / REUTERS
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Mijaín López está habituado a fazer tudo com recurso à força. E está habituado a vencer na vida através disso. Entre a força do hábito e o hábito da força, o atleta cubano tornou-se, nesta terça-feira, o primeiro na história dos Jogos Olímpicos a conquistar cinco vezes o ouro na mesma modalidade, em cinco edições diferentes. Vamos repetir, para evitar dúvidas: cinco vezes a mesma prova, em cinco edições diferentes dos Jogos. A este nível nem Michael Phelps, que ficou nas quatro.

O pelouro de Mijaín é o da luta greco-romana. Desde que apareceu pela primeira vez, em Atenas 2004, só nessa estreia falhou o ouro. Participa sempre na mais alta categoria de peso – e sim, ele é uma autêntica “besta” – e não tem dado grandes hipóteses a ninguém. O cubano foi a Paris como foi aos outros Jogos todos: citando Nelly Furtado no Euro 2004 – precisamente no ano em que Mijaín se estreou em Jogos –, ele tem lá ido como uma força que ninguém pode parar.

O leitor mais perspicaz poderá estar já a fazer contas de cabeça. Se este indivíduo apareceu pela primeira vez em Atenas 2004, e se ainda cá anda em Paris 2024, das duas uma: ou apareceu ainda criança ou já é uma “carcaça”. Mas está errado em qualquer das vertentes.

Sim, Mijaín ganhou nesta terça-feira, já com quase 42 anos. Mas está longe de ser um “velhote”, porque ninguém merece esse epíteto se acabou de vencer um ouro olímpico numa modalidade que exige força e disponibilidade físicas tremendas.

Mijaín veio, ainda assim, numa luta contra si próprio. E é por isso que garantiu ao PÚBLICO, ainda sem saber se iria à final, que esta é a última presença olímpica. “Sim, é o fim”, disparou o “guerreiro de Cuba”, sem margem para dúvidas.

E se algumas existissem, ele dissipou-as no final do combate pela medalha de ouro. Descalçou-se, beijou os sapatos, ergueu-os no ar, colocou-os no meio do tapete e foi-se embora, de punho em riste e a dizer adeus.

A modalidade parece simples

Esta é uma das modalidades fundadoras dos Jogos – o nome “luta greco-romana” denuncia logo essa condição – e, até ver, é vedada às mulheres, mantendo os preceitos iniciais da modalidade. É um dos nove representantes da edição inicial, em 1896, e mantém, a nível de regras, quase tudo na mesma.

Ao bater o chileno Yasmani Acosta, e mesmo antes disso, pareceu que o que Mijaín teve de fazer para chegar aqui foi simples. Para um leigo em luta greco-romana parece até algo rudimentar.

Dois atletas passam seis minutos a empurrarem-se mutuamente, sem poderem executar socos, pontapés ou qualquer outro estratagema criativo para derrubar o adversário.

Podem apenas empurrar-se através da força superior, não podendo executar manobras na parte inferior do corpo adversário. O objectivo é, com recurso a essa força superior, derrubar o adversário ou apenas somar pontos através de movimentos de controlo e desequilíbrio, por exemplo. Ou penalizações ao rival.

Simples? Nas regras, sim. Na prática, derrubar montanhas daquelas não é labor acessível para quase ninguém.

20 anos de experiência ajudam

No caso de Mijaín, arriscamos dizer, apesar do assumido parco conhecimento, que não parece ser um atleta muito dinâmico – pelo menos nesta fase da carreira.

Os adversários, pelo menos dois deles, pareceram ser mais enérgicos e variados na forma de atacar. Mas Mijaín vai lá pela força, que se mantém, e pela estratégia de não forçar ataques inócuos. Os 130 quilos de força bruta ajudam, claro, mas isso também os outros têm. O que não têm é 20 anos de experiência olímpica.

É também essa sabedoria que lhe permite evitar penalizações, algo com um impacto tremendo nesta modalidade, como um penálti no futebol.

Um lutador penalizado deve deitar-se no chão, como um real castigo, e deixar que o adversário pegue nele e faça o que conseguir – e apostamos que Mijaín conseguiria até mover e projectar um elefante, quanto mais um mero lutador olímpico.

Acompanhado pelo treinador Raúl Díaz, que já foi seleccionador português, apontou, no final, que vai mesmo deixar a modalidade. “Já são muitos anos e quero dedicar-me à família. O trabalho é demasiado duro durante quatro anos”, apontou, referindo-se ao esforço de um novo ciclo olímpico.

A sair da zona mista, o lutador foi confrontado com uma vídeo-chamada. Do lado de lá, apareciam a cara e voz de Miguel Díaz-Canel, presidente de Cuba. Não era possível ouvir tudo, mas o presidente cubano mostrou, entre outras coisas, o orgulho do país. “Tenho muito orgulho de seres cubano. Espero que sejas o último cubano a sair de Paris. Viva Cuba!”. “Viva”, gritou Mijaín, levando o punho cerrado ao ar.

Foram 20 anos de carreira olímpica e, aos 46 anos, seria bem maior a probabilidade de manchar o CV olímpico em Los Angeles do que prolongar o legado único. Chama-se saber sair.

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