Revisão científica destaca potencial dos psicadélicos no tratamento da depressão

Investigadores fizeram revisão literária de dezenas de publicações sobre ensaios e programas terapêuticos que utilizam substâncias como a cetamina ou a psilocibina

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A psilocibina está contida nos chamados "cogumelos mágicos" Miguel Manso
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Os tratamentos mais inovadores para a depressão, nos últimos cinco anos, são aqueles que incluem substâncias psicadélicas como a cetamina ou a psilocibina, conclui um artigo científico publicado no British Medical Journey (BMJ) no mês passado, mas não só.

Os autores do artigo fizeram uma revisão literária de dezenas de publicações científicas sobre ensaios e programas terapêuticos com aquele tipo de substâncias, que começam a acumular mais provas científicas sobre a sua eficácia no tratamento de doenças mentais.

A equipa que realizou o estudo, que inclui o português Frederico Magalhães, psiquiatra residente no Reino Unido, onde colabora com o Centre for Psychedelic Research do Imperial College London, responde, na prática, a uma encomenda científica daquela publicação. O BMJ solicita, periodicamente, artigos sobre o “estado da arte” de vários temas relacionados com a saúde e com a investigação científica e este em concreto incidiu sobre o ponto de situação do uso de psicadélicos.

O facto de ter incidido mais sobre a cetamina e a psilocibina prende-se, simplesmente, com o facto de constituírem substâncias com mais potencial para aprovação e consenso clínico e de serem, naturalmente, mais objecto de ensaios clínicos e de artigos científicos. O que não quer dizer que outras substâncias, com o DMT, o princípio activo da ayahuasca, não possam ser utilizadas para os mesmos fins. E são. Mas numa escala menor.

Os estudos sobre DMT inventariados foram efectuados, obviamente, no Brasil, onde o uso da ayahuasca é uma tradição ancestral. Diga-se, por exemplo, que em Portugal existem cinco unidades de Psiquiatria que utilizam cetamina no tratamento do que se convencionou chamar depressão mais resistente.

Frederico Magalhães explica que a cetamina tem uma preponderância particular, por se tratar de um produto já com aprovação farmacológica, uma vez que se trata de um anestésico. A sua utilização no tratamento de situações depressivas decorre da sua aplicação “off-label”, ou seja, para fins para os quais não foi concebido.

Os autores encontraram também artigos sobre o emprego da escetamina, o nome que lhe foi dado pela farmacêutica Janssen. “Não há grande diferença de efeito entre a escetamina e a cetamina; é apenas uma questão de propriedade intelectual da indústria farmacêutica”. E de preço.

Sobre o uso da psilocibina, a análise do “estado de arte” refere que a sua toma em determinadas condições “leva quase sempre a uma experiência relevante do ponto de vista pessoal”. A experiência é feita em condições específicas, dentro de uma sala “especialmente preparada, com apoio psicológico, com música apropriada, com instruções para a pessoa se focar na sua experiência interior, com uma venda, por exemplo”. “E, nessas condições”, acrescenta o psiquiatra, "as pessoas acabam por ter processos interessantes, psicológicos ou autobiográficos, que podem ter muitas formas. É um tratamento terapêutico induzido por uma substância, com efeitos sintomáticos bastante rápidos, no prazo de uma ou duas semanas”. Segundo o mesmo, trata-se de “uma descoberta pessoal com alguma resolução sintomática”.

Trabalho de pesquisa

Esta revisão de literatura é um método de trabalho que se inicia pela pesquisa nas bases de dados mais relevantes na área da psicologia e da medicina, como sejam a PsycInfo ou a Medline, todas elas anglo-saxónicas, partindo do pressuposto de que todos os artigos científicos relevantes são escritos em inglês, de tudo quanto diga respeito ao tema em apreço, quer seja sobre tratamentos inovadores ou emergentes.

Os investigadores começaram com cerca de 800 estudos em cada caso, excluíram a seguir os artigos com base nos critérios de inclusão e exclusão predefinidos, e restaram 103 artigos. Desses 103 artigos, 61 foram excluídos por diferentes razões, e acabaram, então, com um total de 42 estudos.

“Dividimos os artigos em dois tipos de tratamento, os inovadores e os emergentes, e dentro de cada área dividimo-los ainda em intervenções farmacológicas e intervenções de neuromodulação”, explica Frederico Magalhães ao PÚBLICO. Quando se fala em neuromodulação estamos a falar de intervenções não-farmacológicas, de intervenções que interferem ou intervêm directamente sobre o cérebro e a actividade cerebral, como é o caso da estimulação magnética transcraniana e da eletroconvulsivoterapia, vulgo electrochoques.

As intervenções psicoterapêuticas ficaram de fora desta análise, porque a equipa diz não ter encontrado nenhum artigo sobre este tipo de intervenção, nos últimos cinco anos, especificamente para a depressão. No entanto, chega-se à conclusão, nesta revisão de literatura, que a cetamina tem um efeito antidepressivo claro e rápido, e que é favorecido se acompanhado por uma componente terapêutica.

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