Em Paris, Noor Slaoui vê-se como “cavalo de Troia” para as mulheres

A cavaleira está nos Jogos como primeira mulher árabe no concurso completo. Diz ao PÚBLICO que ser mulher é uma força, não uma fraqueza. E tudo começou com um cavalo que nem gostava muito disto.

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Noor Slaoui em acção em Paris Lisa Leutner / REUTERS
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“Ser mulher é uma força, não uma fraqueza”, aponta Noor Slaoui, ao PÚBLICO. A cavaleira de Marrocos está em Paris e é a primeira mulher árabe a participar no concurso completo equestre e vê-se como uma pedrada no charco para as mulheres, em geral, e para as mulheres árabes, em particular. Ou um "cavalo de Troia" na luta das mulheres árabes, se quisermos entrar no jargão equestre.

“Estou muito orgulhosa de ser a primeira árabe aqui. Espero não ser a última. E espero mostrar que um outsider pode chegar ao topo na modalidade e inspirar outras pessoas como eu, até porque na minha região não há muito interesse na modalidade. E este não tem de ser um desporto de homens”, apontou, sobre um desporto que argumenta ser diferente dos demais.

“O concurso completo é um exemplo de girl power [poder feminino]. É o único em que homens e mulheres competem: é igualdade de género total. As mulheres podem competir e ganham”. Noor não está a fazer propaganda barata nem a atirar um dado que todos repliquem sem questionar. Em rigor, neste século, as mulheres conquistaram oito das 21 medalhas nesta prova – não há paridade absoluta nas conquistas, mas há uma razoável divisão. E é na divisão total que quer entrar Noor e outras como ela, vindas de sociedades árabes ou não.

Em Paris, a competir no Palácio de Versalhes, Noor Slaoui e o seu Cash in Hand, o cavalo, mostraram as habilidades conjuntas em dressage, cross-country e saltos. Não conseguiram um lugar de destaque, sem a presença na ronda final de saltos, mas a posição não envergonha quem lá foi pela primeira vez. E, sobretudo, quem ainda só tem 29 anos.

Noor é descrita em muitos sites especializados como “just 29”, “jovem cavaleira”, “jovem atleta”, “prodígio em ascensão”, entre outras coisas que tais. O equestre é uma das modalidades em que 29 anos não é a recta final da carreira, é o início.

“Ainda estou só a começar. Isto é uma modalidade em que a experiência é importante e eu sou muito nova”, aponta.

“O cavalo não gostava de água”

Tudo começou quando os pais a punham a andar em mulas no deserto e nas montanhas, em passeios em família pelos Atlas que chegavam a durar oito horas. “Fiquei com paixão pelos animais e sempre adorei montar, mas nunca pensei fazer disso carreira. Andava só por lazer”, conta.

“Depois, quando fui para Londres estudar, tentei tornar-me instrutora e acabei a experimentar montar eu própria em competição”.

“Não correu muito bem. O meu recorde era péssimo, porque não era muito boa no início e era sempre eliminada. E o cavalo estava muito limitado no potencial dele. Nem sequer gostava de água”, conta, referindo-se às passagens por pequenos lagos e caixas de água presentes no equestre.

No fundo, Noor começou a montar muito cedo, mas começou a competir muito tarde, comparada com a maioria dos adversários. Assume que isso é uma desvantagem, mas diz que tentou compensá-la rapidamente. E não é mentira, se virmos que começou a competir há apenas seis anos e já chegou aos Jogos Olímpicos.

Agora, diz que o objectivo, apesar de ter estudado ciência política, é alargar a presença dos cavalos na sua vida. Já tem 17 a seu cargo, num desporto que já se tornou negócio na criação e venda, mas quer mais.

“Adoro trabalho social, por exemplo com pessoas com deficiência. E também gosto da área da terapia para cavalos. Fazer isso iria deixar muito feliz, porque tenho o coração e a vida no desporto”.

“Nunca fiz isso”

Noor garante ainda que conseguiu chegar aos Jogos Olímpicos, e treinar o cavalo para isso, sem utilizar os métodos da afamada Charlotte Dujardin, campeã que foi afastada depois de ter vindo a público um vídeo a chicotear o seu cavalo.

Noor diz que não quer comentar esse caso particular, mas assegura que nunca usou esses métodos. “Garanto a 100% que nunca fiz isso. O cavalo torna-se um amigo e um parceiro. Medalhas e louvores são bónus, o importante é a relação que se constrói. E eu adoro ter feito este percurso com ele”.

Diz ainda que não crê que este caso possa afectar a imagem do equestre e, questionada sobre se é possível educar um cavalo sem agressão física, foi directa: “Claro que sim! O meu cavalo é tudo para mim. Para mim é importante respeitá-lo”.

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