Pobres são quem menos confia na democracia e nas suas instituições

Em 2023, saúde e polícia eram as instituições com maior aprovação entre quem vive em Portugal, de acordo com o relatório Portugal, Balanço Social

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É uma percentagem esmagadora. Em 2023, 97% das pessoas com dificuldades financeiras afirmavam não confiar nos partidos políticos. Este era também o sentimento manifestado por 82,5% face à justiça, 65,9% relativamente ao governo. E valores muito semelhantes colhiam também as câmaras municipais (65,5%) e a Assembleia da República (64%). Se a pergunta fosse sobre a democracia em si, mais de metade (56%) das pessoas com dificuldades financeiras afirmavam estar insatisfeitas. Entre quem vive numa situação económica mais confortável, essa insatisfação com a democracia foi manifestada por menos de um terço (30,8%).

Os dados são do Eurobarómetro da Primavera de 2023 e contribuem para a reflexão feita no relatório Portugal, Balanço Social sobre a confiança nas instituições nacionais. “A pobreza faz mal à democracia”, concluiu Susana Peralta, uma das autoras deste relatório, em conjunto com Bruno P. Carvalho e Miguel Fonseca, membros do Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center). “De algum modo, grassa entre as pessoas que passam dificuldades um sentimento de falta de pertença que acaba por deslassar o tecido social”, escreveu a propósito deste estudo na coluna de opinião que tem semanalmente no Público.

Portugal, Balanço Social, fruto da Iniciativa para a Equidade, é uma parceria entre a Fundação la Caixa”, a Nova SBE e o BPI, e está disponível na íntegra aqui.

Em qualquer das dimensões acima, quem vive em melhores condições financeiras manifestou níveis menores de desconfiança nas instituições. “Com duas excepções apenas”, nota o estudo. “Por um lado, o sistema de saúde, que é a instituição na qual mais pessoas confiam, sem diferença entre indivíduos com e sem dificuldade para pagar as contas (cerca de 88%). Por outro lado, no caso dos media, são as pessoas com menos dificuldades que menos confiam (42%).” As instituições mais confiáveis são, portanto, o sistema de saúde e a polícia. A visão sobre a União Europeia é aquela que afasta mais estes dois grupos: 46,7% das pessoas com dificuldades económicas afirmam ter falta de confiança nesta instituição; esta percentagem cai para 20,1% entre quem vive sem dificuldades económicas.

A visão do futuro pior

O pessimismo é, de um modo geral, maior entre os mais pobres. No que toca à leitura que se faz da realidade actual, refere Portugal, Balanço Social, “é também interessante assinalar que a maior diferença de percepção entre quem tem e quem não tem dificuldades é nas dimensões dos serviços públicos (85,1% vs. 53,8%) e do mercado de trabalho (94,7% vs. 55,8%)”.

Entre os problemas mais importantes enfrentados pelo país apontados por ambos os grupos estão a saúde e a situação económica. No fundo da tabela das preocupações estão o crime, a situação internacional, o ambiente, a imigração e a dívida pública. “Menos de um em cada vinte residentes em Portugal” aponta estas questões.

Quando se avaliam as expectativas para o próximo ano, igualmente a partir dos dados do Eurobarómetro, “é interessante constatar que a maioria das pessoas que quase nunca têm dificuldade não são pessimistas”, escrevem os autores do relatório. Sobretudo em dimensões pessoais, as respostas são na maioria positivas: apenas 7,9% acreditam que estarão piores no seu trabalho e 14,7% nas condições financeiras do agregado. Em questões mais macro, desde o mercado de trabalho (24%) e a economia em Portugal (32,6%) à economia europeia (20,1%), já existe uma tendência para expectativas menos boas. Todavia, são percentagens de pessimismo sempre bastante abaixo daquelas manifestadas por quem tem dificuldades para pagar as contas na maior parte das vezes. Entre as pessoas com dificuldades económicas, cerca de um terço (33,8%) assegura que a sua situação no trabalho piorará e quase metade (48,7%) acredita que as condições financeiras do agregado serão piores. As tendências da economia europeia (36,3%) e portuguesa (56,4%) e do mercado de trabalho nacional (51,2%) também se agravarão nesse período.