Processo BES está parado até Setembro porque não tem estatuto de urgente

Advogado de lesados pediu carácter de urgência para o caso, mas juíza considerou que fazer sessões de julgamento nas férias judiciais, que estão a decorrer, “não traria qualquer benefício”.

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Uma das múltiplas caixas onde foi transportado o processo BES, quando mudou para as novas instalações do Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus da Justiça. Jose Fernandes
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A fase de julgamento do processo que apura responsabilidades no colapso do Universo Espírito Santo, já considerado o maior da Justiça portuguesa, está actualmente parada, já que estão a decorrer até ao final de Agosto férias judiciais e o caso, não tem, neste momento, carácter de urgente.

Um advogado que representa centenas de lesados pediu no final do ano passado ao Juízo Central Criminal de Lisboa, onde o caso vai ser julgado, para atribuir o estatuto de urgente ao processo, o que faria com que pudessem ser marcadas audiências durante os dois meses anuais em que decorrem as férias judiciais (Verão, Natal e Páscoa) e evitaria que a contagem de prazos não ficasse congelada durante esse período.

Mas a juíza Helena Susano, a titular do processo, rejeitou o pedido, considerando que “não traria qualquer benefício a qualquer dos sujeitos processuais” que houvesse sessões todos os dias da semana ou em férias judiciais no que chama “uma incompreensível e desnecessária maratona”.

A magistrada reconhece que há risco de prescreverem os crimes de infidelidade e de falsificação de documentos, mas diz que tal não se evitaria com, no máximo, mais duas semanas por ano de produção de prova, possíveis se o processo andasse durante as férias judiciais.

“A celeridade processual atinge-se, a nosso ver, não com uma corrida contra o tempo, mas com uma marcha consistente que os passos sustentados oferecem a todos os sujeitos processuais”, escreveu a juíza no seu despacho, em Fevereiro passado.

Antes a magistrada recordou que os juízes têm obrigatoriamente de gozar as férias pessoais durante as férias judiciais e que sendo este um tribunal colectivo tal obrigaria os três juízes a sobreporem esse período de descanso, uma situação que considerou “constrangedora do ponto de vista pessoal e familiar”. “Cremos que também para os demais intervenientes processuais tal situação acarretaria sérios inconvenientes, impossibilitando ou o gozo das suas férias ou conduzindo à respectiva substituição no decurso do respectivo gozo, o que poderia causar constrangimentos à defesa dos arguidos”, acrescentou.

Apesar de indeferir a pretensão dos lesados do Banco Espírito Santo (BES), a juíza diz que o “tribunal está ciente da necessidade de tudo fazer para que o julgamento decorra com a celeridade possível, o que será desejável e útil para todos, acusação e defesa, atendendo ao tempo já decorrido desde o início da fase de inquérito e data dos factos”.

Em 2022, um outro assistente, o BES em Liquidação (o banco "mau", que está em falência) tinha feito um pedido semelhante ao então juiz de instrução, Ivo Rosa, que também indeferiu o requerimento. Nessa altura, o Ministério Público – que este ano não se opôs ao pedido dos lesados e remeteu para a sua posição de 2022 – recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, em Novembro desse ano, decidiu que a instrução passaria a decorrer com carácter de urgente.

Três juízas da Relação consideraram que a interrupção da instrução nas férias judiciais era “susceptível de protelar esta fase processual e violar o direito à obtenção de decisão judicial em prazo razoável” nos termos previstos quer na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, quer na Constituição da República Portuguesa.

Como esse acórdão só tinha validade para a fase de instrução, seria necessária uma nova decisão judicial para que o processo não parasse durante as férias judiciais na fase de julgamento. Foi isso que os lesados tentaram fazer, sem sucesso. Tal não impede que outra parte venha a fazer o mesmo pedido noutra altura, nem que recorra para a Relação se a decisão da juíza for a mesma.

O carácter de urgente é a regra para processos com arguidos privados da liberdade, o que não é o caso do caso BES, que só teve em 2015 o ex-presidente executivo do Banco, Ricardo Salgado, três meses em prisão domiciliária, e mais tarde, com a mesma medida, o antigo director da discreta Sucursal Financeira Exterior do BES, localizada na Zona Franca da Madeira.

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