Só um pano vermelho e outro verde na primeira medalha olímpica de Portugal

Os Jogos de Paris de 1924 foram o palco da primeira medalha olímpica portuguesa da História, conquistada por quatro cavaleiros que “estavam bem longe da categoria dos seus adversários”.

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Luís Menezes, José Mouzinho, Manuel Latino, Borges d'Almeida e Hélder Martins (da esquerda para a direita) Museu Nacional do Desporto IPDJ
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Fosse por improbabilidade lógica ou por sobranceria, a verdade é que os Jogos de Paris de 1924 não estavam preparados para Portugal. Quando a equipa equestre se preparava para receber a primeira medalha olímpica (bronze) da história do desporto nacional, no Estádio de Colombes, nos subúrbios de Paris, constatou que a organização não tinha a bandeira das quinas. Aparentemente, ninguém imaginaria que a proeza alcançada há exactamente um século fosse provável.

Ofendidos, os cavaleiros portugueses Aníbal Borges d’Almeida (1898-1959), Hélder de Souza Martins (1901-1957), Luís Braamcamp Cardoso Menezes (1902-1978) e José Mouzinho d’Albuquerque (1885-1965) foram inflexíveis, recusando-se a subir ao palco ou entrar no desfile até que fosse remediada a afronta. No palco em frente à bancada do pódio, o próprio barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos modernos e presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), seguia o incidente diplomático com impaciência.

A cerimónia de encerramento, prevista para depois do final das últimas competições equestres, acabou por ser atrasada em mais de uma hora por causa do percalço. Até alguém ter uma ideia brilhante para ultrapassar a confrangedora situação e não seria estranho ter vindo de uma cabeça portuguesa.

À pressa, arranjou-se um pano vermelho, um pano verde, coseram-se um ao outro e já está. Estava improvisada a primeira bandeira portuguesa num pódio olímpico. Convincente o suficiente para que os cavaleiros portugueses lá aceitassem subir ao palco para receber as medalhas e desfilar entre os 3089 atletas que representaram 44 países. Desconhece-se se faltaram outras bandeiras.

Para esta VIII edição dos Jogos, a última sob a sua presidência, Coubertin insistiu em dar à sua cidade natal uma oportunidade de limpar a imagem do fracasso da primeira organização deste evento, em 1900. Apesar de alguns percalços, atrasos na conclusão das obras, o certame desportivo acabou por ser um sucesso.

Entre as inovações, para o evento parisiense foi construída de raiz uma aldeia olímpica, onde os atletas ficaram instalados pela primeira vez. Foi também lançado o lema olímpico Citius, altius, fortius (Mais rápido, mais alto, mais forte).

Uma viagem atribulada

Naquela que foi a terceira participação de Portugal nos Jogos – iniciada na V edição, em 1912, em Estocolmo, na Suécia –, chegaram à capital francesa 29 atletas, que competiram em oito modalidades: atletismo, esgrima, halterofilismo, equestre, natação, ténis, tiro e vela.

A viagem não correu particularmente bem aos cavalos seleccionados para o hipismo. A equipa portuguesa chegou a Paris a oito dias do início das provas e com dois cavalos doentes, como descreveu o jornalista Norberto Santos no seu livro Jogos Olímpicos – Os nossos medalhados. Os animais ressentiram-se com a longa viagem e um deles demorou a recuperar e teve de ser alimentado a açúcar até às vésperas de entrar em acção.

A liderar uma equipa de cavaleiros mista de civis (Aníbal d’Almeida/Luís Menezes) e militares (Souza Martins/Mouzinho d’Albuquerque), estava o coronel de cavalaria Manuel da Costa Latino (1878-1957), que iria presidir ao COP em 1946. No seu relatório da participação portuguesa, admite que a preparação pré-olímpica não fora a mais adequada, com pouco tempo para treinos.

Sem jornalistas portugueses no evento, pouco se sabe sobre o concurso dos cavaleiros portugueses na modalidade, que tinha como grandes candidatos à partida para a conquista do Prémio das Nações a Espanha, Itália e Inglaterra. No conjunto, o grupo nacional somaria uma penalização de 53 pontos, apenas a três da Suíça, que conquistou a prata. A vencedora destacada do ouro foi a Suécia, com 42,5 pontos.

A equipa portuguesa foi seleccionada e organizada pela Sociedade Hípica Portuguesa, já que a Federação Equestre seria apenas fundada em 1927. A nível individual, o melhor classificado foi para Aníbal Borges d’Almeida, montado no cavalo Reginald, com o 5.º lugar da geral, seguido de Hélder de Souza Martins, montado no Avro (12.º), José Mouzinho d’Albuquerque, com o Hebraico (16.º), e Luís Cardoso Menezes, no Profond (21.º). Para a classificação por equipas, contavam apenas os três melhores resultados.

“Embora se reunisse o melhor que frequenta as nossas pistas, eles estavam longe, bem longe mesmo, da categoria dos seus adversários", resumiu Manuel Latino no relatório para o COP. "A nossa vitória mais se deve à alma dos nossos cavaleiros, à sua coragem inexcedível, à confiança absoluta em cumprir a sua missão, do que ao valor dos seus cavalos que, porque não dizê-lo, eram olhados com desprezo.”

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