A história de Bruna não é só sobre ténis de mesa

A vida tirou a mão a Bruna Alexandre, o ténis de mesa devolveu-a. Vai participar nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos e diz ao PÚBLICO, em Paris, que “tudo é possível”.

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Bruna Alexandre DR
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Em 1995, em Santa Catarina, amputaram um braço direito a uma bebé brasileira, de três meses, depois de uma trombose por vacina mal aplicada. Vinte e nove anos depois, ela está em Paris, de raquete na mão e sorriso permanente na cara, a fazer, com uma mão, o que a maioria não faz com duas.

Bruna Alexandre vai competir no torneio olímpico feminino de ténis de mesa – ou pingue-pongue, para os amigos –, como parte da equipa do Brasil. Porquê aqui e não no Paralímpico? A pergunta deve ser outra: e porque não nos dois?

A atleta brasileira, não tendo qualquer outra deficiência, não poderia levar os dois braços aos Paralímpicos, mas nada a impede de levar um só aos Olímpicos. Quem disse que são precisos dois? Fica mais difícil? Talvez fique. Mas isso ela resolve, porque tem o ténis de mesa na palma da mão – a única mão.

“As atletas pensam que sou do paralímpico e sentem um pouco de medo (...) acho que elas sentem dificuldade para jogar comigo, porque o meu jogo não é rápido, como o olímpico. O paralímpico requer mais malandragem”, diz ao PÚBLICO, após um treino, em Paris.

“O pessoal olímpico não erra bolas”

A missão de Bruna, em Paris, é diferente daquela que já superou várias vezes, com quatro medalhas em Jogos Paralímpicos, nomeadamente a prata em Tóquio 2020.

Aqui, trata-se de responder, só com um braço, a uma adversária do lado oposto, com os membros todos, que dispara bolas com cadência intensa e grande velocidade. Perdão: por aqui é com grande vitesse.

É verdade que a atleta brasileira pode pedir, com timidez e simpatia, que um jornalista português fale “um pouquinho mais devagar, por favor” – e fez bem em metê-lo na ordem –, mas sabe que não pode fazer o mesmo às adversárias que fazem da velocidade um ponto de ordem. Elas não vão aceitar. Tem, portanto, de forçá-las a abrandarem.

“A grande diferença entre o paralímpico e o olímpico é a velocidade. O jogo olímpico é muito mais rápido. Eu consigo mudar bastante de rápido para lento e jogo bastante na habilidade. Mudo muito o ritmo de jogo, porque se jogar só rápido fica muito difícil para mim”, explica.

A primeira grande dificuldade de Bruna chega logo no momento do serviço, porque não tem a mão direita para elevar a bola. “Ponho a bolinha aqui”, exemplifica, com a “bolinha” por cima da raquete, presa com o polegar.

“Depois, a maior dificuldade é o equilíbrio do corpo. Como não tenho o braço, elas jogam muito para os lados e eu tenho problemas com o equilíbrio. E fazem isto com volume de jogo muito intenso. O pessoal olímpico é muito atleta e não erra bolas”, lamenta – e elogia.

“Tudo é possível”

A existência de Bruna começou por ser uma batalha pela vida, com a infecção que lhe levou o braço, mas passou, em pouco tempo, a ser uma luta pela inclusão. E ainda é.

No plano desportivo, é alguém que começou a jogar ténis de mesa aos sete anos, influenciada pelo irmão, que já jogava, e que está em Paris, em 2024, à procura de ajudar a selecção brasileira. Mas esta história é sobre mais do que isso.

“A minha presença nos Jogos pode abrir muitas portas no Brasil e, quem sabe, no mundo. Não é algo normal e há poucos atletas que conseguem, porque é muito difícil. Vai abrir muitas portas, pensando não só no ténis de mesa, mas também na inclusão das pessoas com deficiência no Brasil”, aponta alguém que garante que nunca foi desprezada pelas adversárias.

“Há pessoas com deficiência que não saem de casa e o desporto ajuda nisso. Acredito que podemos melhorar muito e tornar o Brasil um país em que tudo é possível, independentemente de termos só um braço ou uma perna”.

No seu pelouro, a atleta brasileira explica ao PÚBLICO que tem objectivos bem diferentes para as duas competições. “Nos Olímpicos, gostaria de tentar passar a primeira ronda – quem sabe a segunda. É difícil, mas a gente tem de sonhar, não é? Nos Paralímpicos quero ir ao ouro. Nos últimos fiquei com a prata”.

E Bruna terá, em 2024, condições diferentes das que teve em Tóquio. “A experiência olímpica vai-me ajudar muito no Paralímpico, porque temos aqui a tal velocidade, volume e ritmo de jogo. É muito rápido. Pode ajudar-me muito lá, onde não estão habituadas a um jogo mais rápido”.

Referência de si própria

Bruna Alexandre vai ficar em França pelo menos 50 dias, já que terá os Jogos Paralímpicos logo a seguir. Vai, portanto, ter de arranjar entretenimento. Um deles pode passar por ir ver skate.

“Eu quero assistir skate. O skate ajudou-me muito no ténis de mesa, no meu equilíbrio do corpo. Ainda hoje ando de skate em São Paulo. Gostaria de assistir, se tiver oportunidade”, apontou ao Globoesporte. Cara Bruna, anote aí: Gustavo Ribeiro. De nada.

A catarinense vai tornar-se a primeira atleta brasileira a participar na mesma edição dos Olímpicos e Paralímpicos, e isso inclui homens também, seguindo as pisadas internacionais de nomes como o infame Oscar Pistorious ou a grande referência da própria Bruna, a polaca Natalia Partyka, tetracampeã paralímpica de ténis de mesa, que já disputou três edições de Jogos Olímpicos.

Bruna passou a carreira a idolatrar e a perder frente a Patryka, mas venceu-a em 2023, em Itália, por 3-2. “Actualmente, inspiro-me em mim mesma. Sou a minha referência”.

E faz sentido, porque esta história não é sobre ténis de mesa.

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